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Depressão em crianças pequenas: tudo que você precisa saber

Diagnóstico é raro, mas alterações emocionais e estresse tóxico no início da vida podem agravar risco do transtorno no resto da infância e no futuro

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 20 out 2020, 11h31 - Publicado em 22 Maio 2020, 16h34
Júlia: A elegância e história por trás de um nome clássico
Júlia: A elegância e história por trás de um nome clássico (Eriko Koga/Getty Images)
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Durante décadas, a depressão foi considerada uma doença de adultos. Apesar de relatos esporádicos sobre casos infantis existirem na literatura médica desde os anos 1960, o diagnóstico passou a ser utilizado mesmo nos últimos 20 anos. Hoje, se estima que entre 1 e 2% das crianças e 5% dos adolescentes tenham o transtorno. 

Geralmente, o diagnóstico é feito só por volta dos seis anos. Antes disso, é raro que a criança seja considerada oficialmente deprimida. “O que temos são outros quadros semelhantes, muitas vezes ligados a fatores ambientais e situações da vida da criança”, explica Roberto Santoro, psiquiatra coordenador do Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

A primeira infância é um período único de neurodesenvolvimento e formação da criança, onde qualquer estímulo pode ter impacto duradouro, inclusive levar a uma depressão. Ou seja, não é que ela não ocorra, mas o mais comum é que nesse período o terreno para que o quadro surja no futuro esteja sendo preparado, digamos assim. 

“Por isso, é o momento ideal para detectar precocemente sinais de estresse e ensinar a criança a processar suas emoções”, explica Aline Jimi Cho, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). “Estamos falando mais de prevenção do que do transtorno em si”, complementa. 

Ambiente pode aumentar risco de depressão em crianças 

A depressão é um problema complexo e multifatorial, ainda não esclarecido totalmente nem no caso dos adultos, bem mais acometidos por ele. No caso das crianças, as possíveis explicações podem ser divididas em três grandes eixos. Primeiro, e mais comuns, estão os fatores ambientais.

“São os ligados ao relacionamento da família com a criança, eventos estressores na vida, como traumas, perdas, rejeição e negligência”, elenca Aline. Entram nessa lista também as questões socioeconômicas, como a pobreza extrema, insegurança alimentar, trabalho infantil, maus tratos e violência. 

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O grupo de crianças na chamada vulnerabilidade econômica, aliás, é o com a saúde mental mais ameaçada, mas não o único. “Não é apenas uma questão de falta de recursos”, reforça Santoro. 

Entre os fatores ambientais que valem para todas as classes sociais, está a importância do vínculo com a pessoa de referência: mãe, pai, avó ou o cuidador principal. “O desenvolvimento do cérebro é um encontro de programa biológico com as experiências que temos na vida”, explica Santoro. “E quando nossas vivências interpessoais, com a família, não são positivas ou esse vínculo é quebrado, ficamos com lacunas importantes”, completa o psiquiatra. 

Por isso, nas crianças pequenas, um grande preditor de depressão é a chamada “angústia de separação”. “Ela fica muito apegada com a pessoa de referência, se desespera na separação, o que é uma coisa natural nos bebês, mas por volta dos três ou quatro anos deve chamar a atenção”, detalha Carla Bertuol, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Paulo. 

Aspectos biológicos e psicológicos 

Há ainda certo toque hereditário no surgimento da depressão durante a infância. São fatores de risco ter histórico familiar de transtornos de humor, como depressão e ansiedade, além de abuso de substâncias como álcool e drogas pelos pais. “Crianças portadoras de doenças crônicas também estão mais suscetíveis”, pontua Aline.  

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Por último, o próprio temperamento pode ter algum papel aqui, mas com várias ressalvas sobre o assunto. “Crianças com perfil altamente reativo, emotivo ou negativista, com dificuldades de tolerar frustrações, até podem estar em maior risco, mas não quer dizer que elas necessariamente terão algum problema”, comenta Aline. 

A ideia aqui é dar o apoio e o suporte para a criança compreendendo esse perfil e estimulá-la na medida certa. “Podemos pensar no temperamento como uma matéria-prima a ser lapidada pelos pais para que a criança obtenha o melhor daquelas características de sua personalidade no futuro”, compara a psiquiatra. 

E como fazer isso? “Basicamente, criar um ambiente que a criança veja como feliz e seguro, além de criar situações onde ela possa lidar com a frustração a partir do modelo dado pelos pais”, conclui. 

Sintomas da depressão em crianças 

Elas até ficam melancólicas e desinteressadas nas coisas que antes davam prazer como acontece com os adultos, mas o mais frequente é que apresentem o comportamento oposto, mais irritadas e agitadas do que antes. O que deve chamar a atenção é o desvio abrupto do comportamento padrão da criança. 

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Perceber esses sinais não indica necessariamente que é hora de procurar ajuda profissional. “Mas sim de perceber e acolher esse estresse”, pontua Aline. Manifestações físicas, como dores de barriga, de cabeça, alterações de sono, apetite e atraso de desenvolvimento também dão pistas de que o filho pode estar enfrentando alguma questão emocional e precisa de um adulto para processá-la. 

Agora, se os sintomas persistem por mais de duas semanas e pioram de intensidade, o ideal é se consultar com um psicólogo especialista no público infantil. 

Como é feito o diagnóstico e o tratamento 

São duas situações: ou os pais procuram diretamente um profissional de saúde mental ou conversam com o pediatra, que faz o encaminhamento. “A partir daí, há uma análise muito rigorosa antes de usar o termo depressão, feita por uma equipe multidisciplinar”, explica Carla. 

Todo cuidado é pouco para não colocar um estigma na criança antes que ela esteja com a doença em si. “Na infância temos muita plasticidade cerebral, isto é, a capacidade de superar e se adaptar às situações, então o risco é gerar um rótulo em cima de uma questão que poderia ter sido resolvida sem o diagnóstico propriamente dito”, aponta Carla. 

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Um dos principais aspectos do tratamento é observar os possíveis fatores ambientais, que são os preveníveis, por trás da situação. Geralmente, as crianças fazem psicoterapia, em uma de suas diversas vertentes, e é comum que os pais também passem por orientações e sessões de acompanhamento profissional. 

O medicamento é o último recurso, e só costuma ser prescrito a partir da adolescência. Ah, vale destacar que, para boa parte das crianças em risco de depressão, o tratamento e a prevenção extrapolam a família. “É preciso intervenções sociais, políticas e comunitárias, ações na escola, assistência social quando preciso e até mesmo atenção aos direitos básicos”, diz Aline. 

Será que é depressão mesmo? 

No início da vida, a criança está aprendendo a lidar com as emoções, e isso é muito difícil para ela. Portanto, a cada vez que ela passar por um evento como a morte de um cuidador, uma separação, uma doença ou qualquer outra desestabilização da vida como ela conhece, haverá o risco daquilo se tornar mais um tijolinho que sustente o aparecimento de depressão ou ansiedade mais tarde. 

E é natural que, quando essas coisas ocorram, ela passe por alguns dos sintomas descritos acima. Sofrer e ter flutuações de humor é normal. Parece básico, mas é super importante lembrar disso agora que estamos vivendo a pandemia de Covid-19. “Essa situação exige um grande esforço de adaptação, desestabilizou a todos, incluindo as crianças”, pontua Santoro. 

Alterações de comportamento e até uma certa regressão são esperadas, pois a criança não sabe como expressar o que está sentindo, como saudades, incerteza, medo”, diz Carla. Nesse sentido, cabe aos pais ajudá-las a nomear essas emoções e ser o exemplo de como lidar com o estresse e a dor que são, afinal das contas, inevitáveis não só agora, mas a vida toda. 

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