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Sem moderação: a importância do afeto na primeira infância

Entenda como as manifestações de carinho impactam o desenvolvimento da criança e têm efeitos que duram para sempre, até as próximas gerações

Por Vanessa Gomes
Atualizado em 15 jul 2022, 11h55 - Publicado em 15 jul 2022, 11h41
mão de um bebê envolta na mão de um adulto. O bebê tem um coração vermelho em frente os dedos
 (Nadezhda1906/Getty Images)
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Se fossemos comparar uma criança crescendo a uma casa em construção, poderíamos dizer que cada necessidade e cada capacidade que ela ganha para se tornar um ser humano saudável (emocional e fisicamente) seria um tijolo. Do outro lado, os bloquinhos precisam ser unidos com um cimento forte e potente, capaz de manter tudo funcionando, certo? Pois bem, esse “cimento” é o afeto, que deve ser usado na obra desde a fundação, ou seja, quando você começa a construir o sonho da maternidade e da paternidade, na gravidez – ou até antes.

“O afeto é fundamental desde o período intrauterino”, afirma o pediatra Marcelo Lamposkly, professor de medicina do Centro Universitário São Camilo (SP). “Ao receber afeto, a criança tem um ambiente de segurança, sente que é amada, que tem alguém responsável que cuida dela. Isso é essencial para o desenvolvimento, para a autoestima, para que tenha tranquilidade e confiança nela mesma”, explica.

O que é o afeto?

Segundo o médico, trata-se de uma série de sentimentos de um indivíduo para outro, como amor, carinho, cuidado, atenção, compaixão, generosidade e doação. Pode ser demonstrado de diversas formas: com palavras, gestos, abraços, beijos, conversas… No caso das crianças, falamos também em dar colo, cantar músicas de ninar, segurar os dedinhos, dar banho, amamentar, alimentar e em todos os outros momentos que conectam você ao seu filho. Há ainda as manifestações difíceis, como passar a noite em claro quando o bebê não dorme, e as mais gostosas, como agarrá-lo e sentir aquele cheirinho de nenê.

Tais momentos são essenciais para o desenvolvimento, que é a capacidade que a criança tem de, com o passar do tempo, adquirir habilidades e funções cada vez mais especializadas. O pediatra afirma que o desenvolvimento é dividido em vários eixos: “O motor, que é começar a sustentar o pescoço, virar de lado, sentar sem apoio, levantar, engatinhar, andar… Há o desenvolvimento da linguagem, que começa com a ‘blablação’, que são alguns sons que o bebê emite até ele começa a verbalizar, juntar palavras. Existe o eixo social, que é o afetivo, a capacidade de interagir inicialmente com os pais, depois com parentes, conhecidos e, mais para frente, na escola, na sociedade. O eixo adaptativo, que é o desenvolvimento das capacidades de se adaptar a diversas situações que vão sendo apresentadas e, por fim, o eixo cognitivo, que inclui raciocínio, inteligência e memória. Tudo isso engloba o que chamamos de desenvolvimento neuropsicomotor da infância”, aponta Lamposkly.

De acordo com o especialista, para que a criança se desenvolva plenamente, em todos os eixos, há uma série de aspectos a se considerar. Entre eles, boa alimentação, saúde, educação, vacinação e fatores emocionais – questões oferecidas e unidas por meio do afeto. “O afeto diz respeito a tudo que afeta e mobiliza a criança. É tomado, atravessado e passado de geração para geração”, diz o médico.

Afeto que vem do útero

Logo no início, ainda na barriga, a criança já sente, por meio da percepção da mãe. Ela e o bebê formam um binômio. “Desde esse momento, a mãe tem que estar bem para a criança estar bem. Ambos têm uma conexão profunda, de uma forma muito forte. Se a mãe leva um susto, o coração dela dispara e o do bebê também”, exemplifica. Quase tudo o que acontece no corpo da mãe passa para o filho por meio do vínculo placentário: hormônios, substâncias químicas, vitaminas, nutrientes, medicamentos. O que é positivo, negativo, inibidor, estimulante. “Por isso, é importante que a gestação seja um período calmo, tranquilo, amoroso, com sentimentos bons e hábitos de vida saudáveis”, explica o pediatra.

Grávida segurando folha
(Natalia Deriabina/Getty Images)
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Além de a mãe se manter tranquila e saudável (tanto quanto possível) ao longo das 40 semanas – apesar das mudanças, dos sintomas, dos hormônios e tudo mais -, existem outras formas de transmitir carinho ao bebê. “Há vários trabalhos que comprovam que ouvir música, ainda dentro do útero, faz bem para o feto”, diz o médico. Assim como cantar para o bebê, ler, conversar… “Isso tudo pode ser comprovado pelos batimentos cardíacos da criança ao ouvir a mãe falando ou ao escutar música. O bebê se acalma”, afirma. Neste momento, o afeto do pai também é bem-vindo e os vínculos já começam a ser construídos.

O bebê chegou. E agora?

Após o parto, vem uma fase crucial, tanto para os pais quanto para o bebê. Imagine sair de dentro do conforto da barriga e ir para um lugar aberto, cheio de sons, gente, luzes. Mesmo com todo o afeto do mundo, não é uma mudança simples. É um processo que requer tempo, amor e muito, muito colo.

De acordo com o pediatra, o contato pele a pele e o aleitamento ajudam bastante. Sentir o toque materno é fundamental. Daí, a importância de a criança ficar junto da mãe, sempre que possível na primeira hora após o parto, na chamada golden hour ou hora dourada, quando a primeira mamada deve ser estimulada.

No início, o bebê demora a entender que nasceu e está fora da barriga. Por isso, tende a se acalmar ao ficar pertinho da mãe, ao ser enrolado, ao ouvir os chamados ruídos brancos e o som de “shhhh”, que se assemelha ao barulho que ele ouvia quando estava no útero. Oferecer tudo isso é uma forma de afeto.

Agora, o vínculo com o pai se intensifica cada vez mais. “É fundamental que o pai divida os cuidados com a mãe – e não que ajude, ressalta Lamposkly. “Assim como a mãe no aleitamento materno, é importante que o pai tenha momentos de contato pele a pele, embale a criança no colo, tome banho junto… Por meio desse contato íntimo, a criança vai sentindo, reconhecendo o cheiro. E tudo isso é essencial para que ela se sinta ainda mais segura e cresça bem e saudável. O afeto é construído e, ao perceber que ele vem de ambos os lados, o bebê começa a reconhecer diferentes aspectos, mas vinculando as duas figuras, materna e paterna, o que também é muito importante e faz diferença no desenvolvimento”, diz o pediatra.

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Primeira infância: janela de oportunidade

O afeto é valioso a vida inteira. Se nós, que somos adultos, precisamos dele, imagine os pequenos! “Os primeiros mil dias de vida, que englobam a gestação e os primeiros dois anos da criança são essenciais. Trata-se de uma janela de oportunidades, um momento em que garantimos o desenvolvimento pleno. Acontece o que chamamos de mielinização do sistema nervoso central, o que significa que são criadas algumas das mais importantes conexões cerebrais. A base de tudo será formada nesses primeiros anos de vida”, afirma o médico.

Mãe e bebê com ilustrações de chuva e guarda-chuva
(AleksandarNakic/Getty Images)

Portanto, quanto mais afeto e compreensão, melhor. Acompanhe, tente entender as fases pelas quais seu filho está passando e por quais ainda vai passar. “Existe a questão das birras. O adulto precisa compreender que é um processo normal, de desenvolvimento e de adaptação. É a forma de a criança expressar suas emoções, pois ela não sabe lidar com frustrações, medo, perda, separação… Às vezes, até a alegria e a euforia viram uma crise, porque é difícil processar”, exemplifica o especialista. Para conseguir ajudar, o acolhimento e o amor dos pais são primordiais.

Dar afeto e amor não significa fazer tudo o que o pequeno quer, ok? A educação e os limites são tão importantes quanto o carinho para o desenvolvimento dele. O limite, aliás, também pode ser uma forma de afeto, quando colocado de maneira respeitosa e gentil.

A partir dos sete primeiros anos de vida, quando tem afeto, cuidado e compreensão, a criança cria uma base para começar a construir novas conexões. “Ela passa a lidar com aspectos sociais, a ter vínculos fora do círculo familiar, com os amigos, com a escola, com os professores, nas brincadeiras e no aprendizado. Tudo vai estar ligado ao afeto e o mundo dela é ampliado”, explica o pediatra. É o afeto que você deu ao seu filho ganhando amplitude!

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E quando não dá?

A maternidade e a paternidade são os lembretes mais escancarados de que nem tudo sai como planejado. Aliás, na maioria das vezes, o que acontece é o contrário. Então, por mais que a mãe tenha sido amorosa na gravidez, tenha cantado, lido, conversado com a barriga, tido um parto humanizado, muitas coisas podem impedi-la de oferecer o afeto necessário ao filho no começo da vida.

A depressão pós-parto é um exemplo clássico. Mas, calma, passar por isso não significa que a criança não vai se desenvolver. “A depressão pós-parto é uma doença conhecida, estudada. Não se trata de uma mãe que não gosta do filho. Ela sofre naquele momento uma enxurrada de oscilações hormonais, não é uma escolha”, diz Lamposkly.

O aleitamento materno também, por uma série de motivos, pode não ser possível. “É preciso lembrar que a construção do afeto e do vínculo é constante, é para a vida inteira”, aponta o pediatra. “Ela tem data para começar, que é a partir de quando você se torna um pai ou uma mãe, mas não tem data para terminar. O fato de não ter tido o vínculo tão imediato não quer dizer que ele não poderá ocorrer depois”, reforça. Além disso, o especialista ressalta que crianças têm neuroplasticidade, que é uma enorme capacidade de adaptação e de superação de possíveis déficits.

Por fim, vale dizer que quem não tem afeto não consegue dar: “Sempre falo que, primeiro, a mãe e o pai têm de estar bem. Aí, sim, a criança pode estar bem”, lembra o médico. E está aí mais um dos motivos pelos quais ter uma rede de apoio – parceria, família, amigos – é fundamental.

Sempre é tempo de afeto, por todos os lados. Quanto mais, melhor!

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