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Tédio: por que as crianças precisam dele

Pode até parecer chato, mas ficar sem ter o que fazer é fundamental para o desenvolvimento e para o estímulo à criatividade e à imaginação.

Por Vanessa Gomes
16 jul 2022, 10h00
garoto com semblante de tédio sentado em sofá
 (Pinstock/Getty Images)
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“Não tenho nada para fazer”. “O que eu vou fazer agora?”. “Estou entediado”. Se você tem filhos pequenos, é provável que ouça essas frases às vezes. Nas férias, então… Nem sempre é possível viajar ou organizar programações diferentes ao longo do recesso escolar – e é até melhor que seja assim. Por mais que a criança reclame e que pareça “chato”, não ter nada para fazer é fundamental para o desenvolvimento e para o estímulo à criatividade e à imaginação.

“Se eu fosse dar um conselho para os pais, seria esse: não tenham medo do tédio. Deixem que ele faça parte da sua vida e da vida do seu filho”, diz a psicóloga britânica Sandi Mann, autora do livro The Science of Boredom (A Ciência do Tédio, em tradução livre) e professora de Psicologia da Universidade Central de Lancashire, no Reino Unido. “O tédio é uma emoção e é, basicamente, uma busca por estímulo do cérebro que não é satisfeita. Então, se você está procurando algo em que se engajar, e não está satisfeito, essa frustração é rotulada como tédio”, explica.

Isso começa logo nos primeiros momentos da existência humana. Os bebês estão sempre procurando por estímulos e é dessa forma que tentam compreender o enorme mundo ao redor deles. Daí, se interessarem pelo barulho de um papel sendo amassado, por tampas de potes de plástico na cozinha e até pelos próprios pés e pelas próprias mãos (quando são recém-nascidos). Entretanto, no momento em que se cansam daquilo, procuram outras atividades para prestar atenção – o que é bom e saudável. É assim que eles exploram tudo. E, não, você não precisa se preocupar em oferecer estímulos o tempo todo. Isso acontece naturalmente também.

Telas: a saída mais fácil

Conforme as crianças crescem, os adultos buscam maneiras de mantê-las entretidas. Aulas, atividades extracurriculares, inglês, teatro, balé, robótica, judô. E, quando nem tudo isso é possível, estão lá as telas, um dos meios mais práticos de distração. Surgiu alguma manifestação de tédio? O tablet, o celular, a televisão e o videogame oferecem uma infinidade de opções para solucionar a questão, e a pouco cliques de distância. Ali, os pequenos passam horas e horas e horas…

Criança-chorando-na-cama
(Claudia Burlotti/Getty Images)

“O tédio é algo incômodo, enfadonho, chato. Se a criança que tem algum tempo livre e descompromissado já se sente entediada, pode haver aí um problema, com uma limitação de criatividade e de imaginação”, explica o psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e presidente do Comitê de Adolescência da Associação Paulista de Medicina (APM). “Essa intolerância com o ócio significa que há algo errado, como esperar que os pais proporcionem a todo tempo um entretenimento, uma diversão, um compromisso. Isso já pode sinalizar que a criança está caminhando para um estado de se sentir ‘credora do mundo’, ou seja, de achar que o mundo deve algo a ela.  O tempo livre é bom e útil para todos”, afirma o especialista.

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As telas, ressalta Bottura, nem sempre são vilãs. Há muitas atividades e informações interessantes para buscar nelas. No entanto, a internet não pode ser um “tapa-buraco” fácil para fazer a criança parar de reclamar. Afinal, dessa forma, elas sempre recebem entretenimento passivo, isto é, com pouco ou nenhum esforço. Quando um vídeo chega ao fim, os aplicativos já oferecem várias outras opções semelhantes. Então, não há sequer o trabalho de procurar algo que seja interessante.

A criança “que lute”

Ocupados com vários afazeres, os adultos procuram manter também os filhos ocupados. “Os pais se sobrecarregam e sobrecarregam as crianças motivados, muitas vezes, por um sentimento de culpa, por medo de errarem na educação, mobilizados pela própria dificuldade de conviver com elas, de lidar com a diversidade, com a contestação, com o protesto, com a discordância. Então, é mais fácil enfiar atividades em excesso nelas. Isso é muito ruim”, diz o psiquiatra Bottura.

Por mais controverso que possa parecer, para ajudar seu filho a lidar com o tédio, seu papel é… não ajudar! O ócio é justamente a oportunidade de se frustrar e usar essa frustração como força motriz para estimular o cérebro, a criatividade e a imaginação. Ou, então, simplesmente para dar espaço à mente, que pode muito bem não precisar pensar em nada de vez em quando.

Como os pais lidam com o tédio?

Não pensar em nada, sabemos, pode ser um desafio. Levamos uma vida tão atribulada, trabalhando aqui e pensando na próxima tarefa ali, que é quase impossível ter algum espaço livre. E, nas raras ocasiões em que isso acontece, simplesmente não conseguimos encarar o tédio também.

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Responda com sinceridade: você costuma ir ao banheiro sem levar junto o celular? Pois é… Se as crianças se veem cercadas por adultos que não conseguem lidar com o ócio de maneira tranquila, como vão aprender?

Um empurrãozinho

Ok, não é sua função satisfazer a necessidade do seu filho de estar sempre ocupado, entretido e se divertindo. É fundamental que a família compreenda isso para ajudar a criança a se sentir à vontade quando não tem nada para fazer. No início, porém, é possível dar uma forcinha para elas.

Caso seu filho já esteja habituado a mil atividades, além das telas para preencher as lacunas, talvez seja mais difícil mudar o cenário da noite para o dia. Por isso, selecionamos aqui três dicas que podem funcionar como uma ignição na criatividade:

1. Pote do tédio

A ideia se tornou muito comum lá fora e também faz sucesso no Brasil. Junto com a criança, escreva em papeizinhos ideias de atividades que não envolvam telas e que sejam legais e possíveis de fazer: escrever uma história, montar um quebra-cabeça, pintar um desenho, pular corda e o que mais a imaginação permitir. Depois, dobre-os e coloque tudo dentro de um pote. Quando o tédio bater, é só abrir e sortear um deles!

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Crianças brincando de pirata
(PeopleImages/Getty Images)

2. Ideias à mão

Em uma caixa, uma gaveta ou em qualquer cantinho da casa, deixe objetos que ajudem a criança a inventar projetos. Uma caixa de papelão pode virar um foguete, uma casinha, um castelo ou um navio. O rolo de papelão do papel alumínio ou do papel-toalha se transforma em uma luneta ou em um telescópio. Folhas coloridas, palitinhos, pedaços de tecido, lã… Assim, as possibilidades aumentam!

3. Atividades ao ar livre

Quando der, permita que seu filho se divirta ao ar livre – sem tentar “estruturar” as coisas. Na natureza, as crianças têm mais facilidade de inventar as próprias brincadeiras.

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