Família

4 pais de crianças autistas revelam as dificuldades para o diagnóstico

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por Alice Arnoldi Atualizado em 12 abr 2021, 13h28 - Publicado em
12 abr 2021
12h54

Ao perceberem um sinal de mudança no comportamento do filho, é comum que famílias recorram à internet para encontrarem uma luz, um médico e até acalanto em relatos semelhantes. Mas este é apenas o início de uma busca que começa com uma percepção dos pais, mas que pode ser uma longa jornada até se chegar a um diagnóstico.

Um exemplo disso é o caminho angustiante que muitos pais e mães de crianças dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA) enfrentam até iniciarem, de fato, o acompanhamento com os especialistas adequados para os casos dos filhos.

Assim, neste mês de abril, conhecido pela cor azul como simbologia da luta pela conscientização do TEA, trouxemos a conversa para mais perto e ouvimos mães e pais com filhos dentro do espectro. Eles puderam relatar quais foram os sinais que levaram à desconfiança do transtorno – como atrasos na fala, no andar e também estereotipias (movimentos repetitivos) – e os passos que precisaram dar mesmo quando os laudos ainda não haviam sido fechados.

Neste caminho de investigação, dedicação e muito amor, estes pais reforçam a potência de acreditarem nos detalhes que – só eles – podem enxergar na convivência com os filhos, além de não desistirem da busca por um diagnóstico, mesmo diante de tantos preconceitos e estigmas que eles mesmos precisaram rebater dentro de si e nas pessoas ao redor. Hoje, com os filhos já encaminhados nos profissionais e nos acompanhamentos corretos, estas famílias relembram como foi descobrir o TEA e passam uma mensagem de acolhimento para os pais que ainda estão na busca.

Leia com atenção o que eles têm a dizer:

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"Não se tem informações sobre autismo se você não é uma família que tem uma criança atípica"

Cynthia Mel, 29 anos, publicitária e mãe do Pedro, de 10 anos, Davi, de seis e Bela, de quatro anos e autista 

“A Bela foi diagnosticada aos dois anos dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mas foi antes, com um ano e meio, que eu comecei a perceber que havia algo diferente no desenvolvimento dela. Como ela é minha filha caçula, eu já sabia a época que uma criança começava andar, falar e até mesmo apontar para coisas e ela não estava atingindo alguns destes marcos de desenvolvimento. Comecei a ficar em alerta.

Lembro-me que, com um ano e seis meses, a levei até a pediatra e relatei que ela estava demorando muito para andar. A médica disse para eu ficar tranquila, esperar até os dois anos e ainda falou que talvez eu não estive estimulando-a o suficiente. Só que eu voltei para casa, fiquei pensando e decidi que não iria esperar até os dois anos para ela dar os primeiros passos.

Passei a procurar informações sobre atraso motor na internet e descobri o autismo. Na hora que eu vi, eu pensei que minha filha não era autista, porque na minha cabeça, uma pessoa com TEA não sorria, ficava se balançando para frente e para trás o tempo todo e ela não fazia isso. Mas continuei lendo as informações que estavam ali e também vi até relatos de outras mães de crianças autistas. Quando eu analisei tudo, percebi que ela estava sim dentro do espectro.

Naquele momento, minha ficha começou a cair e eu comecei a levá-la em especialistas até receber o diagnóstico com dois anos e dois meses. De lá para cá, tem sido uma construção de vida porque quando nós recebemos o laudo, foi muito difícil e me senti completamente perdida. Não se tem informações sobre autismo se você não é uma família que tem uma criança atípica.

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Tive que começar do zero: encontrar outras mães com filhos dentro do espectro, conseguir informação, além de encontrar bons profissionais, o que foi uma fase muito difícil, porque o autismo é um transtorno complexo não só para as famílias, mas para muitos pediatras.

Assim, o que tem que ficar na mente das pessoas é que se tem atraso no desenvolvimento, a criança precisa de acompanhamento médico. Essa história de esperar mais um pouco, até dois anos, ou ainda de que é só colocar na escola que melhora, não é real. Precisamos nos apegar ao atraso de desenvolvimento para tratá-lo o quanto antes.

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(Cynthia Mel/Arquivo Pessoal)
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Só que mesmo sabendo disso hoje, naquela época eu e meu esposo ficamos quatro meses chorando, porque foi difícil associar todo o processo e a nossa vida virou de cabeça para baixo. Nesse período, nós quase não conseguimos nos mover e ir atrás de tratamento. Muitas mães chamam esse período de “luto”, é uma palavra forte, mas eu entendo. Porque é como se aquele filho que tínhamos idealizado, não estivesse mais ali.

Hoje, eu vejo que foi uma fase necessária para colocar a cabeça no lugar, recalcular a rota e entender que nós precisamos ensinar as crianças a celebrarem a diversidade, porque se não falarmos com elas sobre o assunto, nós vamos fazer com que a sociedade continue sendo preconceituosa e cruel. Essa história de que ‘somos todos iguais!’ não existe. Nós somos todos diferentes e as crianças precisam entender o quanto isso é incrível.

Também luto para que as pessoas saibam que mães e pais com filhos que têm deficiência são tão humanos quanto eles. Não são pessoas guerreiras, heroínas ou super-poderosas. São mães humanas, sobrecarregadas, cansadas e, muitas vezes, sem rede de apoio, travando batalhas inimagináveis e também não são vítimas de um diagnóstico. Se você encontrar uma mãe atípica, seja gentil, independente de como, quando e onde. Se puder ajudá-la, faça, mas não com ar de caridade ou com dó. Faça de coração!”.

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"Até nossa família começa a achar que somos doidos, procurando doença para colocar na criança"

Naranajda Marques Cavalcante, 28 anos, estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental e mãe de Lucy, de dois anos e 11 meses e autista 

“Comecei notar sinais em Lucy a partir dos nove meses ao comparar o seu desenvolvimento com o de outras crianças, porque assim como em alguns aspectos ela era acima da sua faixa etária, em outros era abaixo. Ela não assistia televisão, costumava colocar os brinquedos de cabeça para baixo e os sons foram a parte mais gritante para mim, porque minha filha chegou a adoecer e eu não podia usar um nebulizador, já que o barulho dele parecia que eu estava torturando-a.

Minha filha também não mantinha contato visual comigo, de forma alguma. Imagina você estar ali, amamentando até um ano e quatro meses, tentando olhar para ela e não ter esse contato. Ela também tinha estereotipias, como bater as mãos no colo próximo aos seios durante momentos de euforia.

Além disso, ela não dormia de noite, apenas duas horas por dia. Caso eu quisesse que ela adormecesse um pouco mais, tinha que dar um antialérgico porque eu não sabia a quem procurar. Eu ia até pediatras e eles diziam que se eu desejava dormir, eu não deveria ter filhos.

Essa falta de conhecimento que eu tinha me machucou bastante, porque escutei muitas coisas: que a minha filha era surda, viciada em chupeta, telas e isso me incomodava bastante. Até nossa família começa a achar que somos doidos, que estamos procurando doença para colocar na criança.

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(Naranajda Marques Cavalcante/Arquivo Pessoal)

Só que quando minha filha completou um ano e sete meses, a situação ficou muito mais difícil. Porque o autismo fica subjetivo quando a criança é bebê, mas a medida que ela vai se desenvolvendo, o TEA cresce junto. Então, ela passou a começou a se bater, a me bater, morder, jogava a cabeça na parede e isso começou a me preocupar demais. Silenciosamente, peguei a minha filha, conversei com uma amiga de outra cidade e fui em uma fonoaudióloga especializada.

Sentei na cadeira, conversei com a fono enquanto Lucy destruía o consultório. Ela é hiperativa, nada chama sua atenção por mais de cinco minutos. Então, a especialista me disse que se eu fosse uma mãe com muitas dúvidas e que estivesse em negação diante do diagnóstico, ela me acompanharia por mais tempo para dizer que minha filha faz parte do espectro. Mas como eu já sabia a resposta, ela apenas confirmou a condição.

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(Naranajda Marques Cavalcante/Arquivo Pessoal)

Desde que eu busquei por esse auxílio, ela já me encaminhou para as intervenções, como terapia ocupacional e indicação de um neuropediatra. Só que não tive acesso a todas as terapias necessárias, apenas a primeira há um ano, e psicóloga e fono há quatro meses. Tenho muito medo de que tudo pare de funcionar mais uma vez, na minha região, em Xique-Xique (BA), justamente porque não temos esse apoio tão grande devido a covid-19.

Hoje, diante disso tudo, digo para os outros pais que é de suma importância observar os próprios filhos. Eu escutei pessoas dizendo que não devemos comparar o desenvolvimento deles aos de outras crianças. Sim, mas precisamos estar alertas à algumas fases infantis que são similares, como andar, engatinhar e a comunicação visual.

Não é uma cartilha engessada, em que todos são iguais: minha filha é autista, mas ela é diferente de outros que eu conheço. É importante também a participação dos pais nas terapias, afinal, quem passa mais tempos com os nossos filhos se não a gente? Precisamos conhecer como agir no dia a dia para evoluirmos no tratamento deles”.

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"Decidimos começar as terapias mesmo sem o diagnóstico, porque a nossa intenção sempre foi ajudar o Pietro e não só ter um laudo médico"

Carolina Miranda de Almeida Rizzato, 26 anos, especialista em marketing digital e mãe do Pietro, de cinco anos e autista, e da Maitê, de dois anos

“Hoje o Pietro tem cinco anos, mas ele foi diagnosticado com autismo nível 1 em março de 2020. Essa busca, no entanto, já vem desde quando ele ia completar o segundo ano, em que percebemos que ele estava com um atraso muito grande na fala.

A primeira atitude que o pediatra nos indicou na época foi fazer diversos exames de audição, mas nenhum deu alterado. Nessa hora, o coração ficou mais aflito, porque a pior parte para nós, como pais, é a da dúvida, já que não sabíamos a quem recorrer. Acabamos indo para o “Dr. Google”, pesquisando e vendo relatos de outros casos. Começamos a fazer aquela lista básica do que se encaixa ou não e, dentro do espectro, víamos que algumas características batiam.

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(Carolina Miranda/Arquivo Pessoal)

Foi quando decidimos parar com os exames e ajudar o Pietro com a fonoaudióloga. Nesse momento, a ficha começou a cair e percebemos que aquilo de fato estava se concretizando. Aos dois anos e meio, ele soltou a primeira palavrinha e foi uma felicidade muito grande, porque achava que nunca ia ouví-lo me chamar de ‘mamãe’.

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Hoje, ele fala muito bem, mas desde que ele começou as terapias, nunca paramos e um ponto muito importante foi que as começamos mesmo sem o diagnóstico, porque a nossa intenção sempre foi ajudá-lo, não só ter algum laudo médico. A fono também indicou começar a psicóloga, e ainda nem tínhamos fechado um diagnóstico, porque poderia ser tanto o TEA quanto outros transtornos.

Até que, enfim, encontramos uma neuropediatra especializada e começamos a frequentá-la e foi assim que, no ano passado, ela nos deu o laudo de autismo, nível um. Quando o diagnóstico veio, nada mudou. Desde sempre, nós sabíamos que o Pietro tinha algo e a conclusão veio mais como um alívio para facilitar e entender os direito do meu filho. Recentemente, por exemplo, passamos por um processo com o convênio, porque haviam bloqueado as terapias dele e foi muito importante ter esse diagnóstico para liberá-las.

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Ao viver esse processo, torço para que pais tanto de crianças atípicas quanto típicas não criem diferenças na cabeça dos filhos. Para as crianças, as que são autistas têm apenas algumas dificuldades. Inclusive, falo por mim, que tenho a Maitê, irmã do Pietro.

Quando ela nasceu, eu tinha certeza de que era ela quem seria uma referência para o irmão, especialmente de desenvolvimento. Mas foi o contrário: ela olha para ele como um ídolo, o que ele faz, ela vai atrás e faz também. Para ela, ele é irmão mais velho e isso é o que importa, independente das dificuldades dele. Isso foi um grande aprendizado para mim e repasso: não coloquem limites nos seus filhos, acreditem neles.

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"Muitas vezes, somos levados pela esperança ou senso comum, mas temos que deixar isso de lado e levar nossos filhos em um especialista"

Alexandre Dias Nunes de Melo, 35 anos, coordenador da Divisão de Educação Especial do Município de Praia Grande SP e pai dos gêmeos autistas Lucas e Gabriel, de oito anos

“Eu e minha esposa casamos em 2011 e, desde então, pensamos em ter filhos. Nós planejamos a gestação, fomos ao médico e ouvimos dele que talvez a minha esposa não teria tanta facilidade para engravidar. Era para tentarmos, mas talvez precisaríamos de tratamento. Graças a deus, ele estava muito enganado, porque logo no primeiro mês minha esposa já estava grávida e foi uma grande surpresa quando soubemos que eram gêmeos.

Ao longo da gravidez, descobrimos a má-formação do Gabriel, que também é deficiente físico – ele tem más-formações congênitas nas mãos e nos membros inferiores. Isso foi um baque, afinal, ninguém espera esse tipo de notícia. Ainda que aflitos, a gestação caminhou bem e, estava tudo certo com o desenvolvimento do Lucas.

A partir de então, eu e a minha esposa começamos a estudar sobre o quadro do Gabriel, buscamos pelos tratamentos e eles nasceram. Percebemos que ele lidava muito bem com as suas deficiências, inclusive fazia tudo o que irmão fazia, menos andar. Só que começamos a notar atraso de fala, na interação com outras crianças e entre eles, já que não brincavam juntos e, muitas vezes, parecia até que não existiam um para o outro.

Isso começou a nos preocupar, fomos a alguns profissionais e ninguém fechava o diagnóstico. Até que chegamos a uma médica em São Paulo e, aos três anos, ela fechou o laudo dos dois: Lucas e Gabriel têm autismo severo. Foi um momento que ficamos sem chão, sem saber o que fazer. Tinham situações que eu e a minha esposa só parávamos e chorávamos. E não por causa do autismo, mas por não saber o que fazer para ajudar meus meninos.

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(Alexandre Dias Nunes de Melo/Arquivo Pessoal)

Hoje, depois de muito tratamento na base de análise do comportamento, temos colhido os frutos. Eles começaram a falar, se comunicam melhor, o Gabriel está praticamente alfabetizado e o Lucas está indo para o mesmo caminho.

Isso tudo me levou a pensar que, da mesma forma que quando meus filhos nasceram, eu buscava pais de crianças mais velhas com autismo para saber o que fazer, o principal conselho que eu dou a famílias que receberam o diagnóstico é procurar intervenção o mais precoce possível.

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Muitas vezes, somos levados pela esperança de que não é nada demais ou pelo senso comum de que gêmeos são assim mesmo, de que demoram para falar porque têm uma conexão. Mas temos que deixar isso de lado e realmente levá-los em um especialista.

Quanto antes intervir com os profissionais adequados, como fonoaudióloga, terapeuta e psicólogo, melhor o prognóstico da criança. Os meninos estão indo cada vez melhores e têm comportamentos que eram inimagináveis quando eles tinham apenas três anos de idade.

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(Alexandre Dias Nunes de Melo/Arquivo Pessoal)
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Por exemplo, o Gabriel é o menino mais valente que eu conheço. Ele já fez cinco cirurgias para ajudar na reconstrução da sua perna e médicos disseram que ele jamais iria andar. Hoje, ele usa cadeira de rodas para longas distâncias, mas usa muito bem as muletas. Por ser aventureiro, ele também adora esportes radicais, como andar de skate o dia inteiro e brincadeiras que gerem adrenalina.

E ao contrário do que muitas pessoas pensam, criando estereótipos sobre o autismo, cada criança é diferente. O Lucas, por exemplo, é o oposto do Gabriel mesmo eles sendo gêmeos idênticos. Ele tem interesses mais calmos, adora música, dançar e ficar abraçado – é um menino extremamente carinhoso!

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