"Pensei: Eu posso deitar aqui e me afundar ou levantar e seguir. Nenhuma das duas coisas traria o meu filho de volta ou me levaria para junto dele, mas eu decidi por levantar a cabeça e ir. Com uma dor imensa, que vive em mim e persiste, mas com a qual hoje eu consigo conviver"
Luana Drummond, 33 anos, empresária.
“Casei com 26 anos, e em menos de um ano depois, engravidei. Não foi planejado, foi durante uma troca de anticoncepcional, mas foi uma gravidez muito desejada e comemorada, porque eu sempre tive a maternidade como uma certeza muito forte em mim.
Quando completei 30 semanas, fui fazer um ultrassom e descobri que o meu líquido havia secado. Não sabíamos a causa, os médicos acreditavam que eu tinha tido uma bolsa rota, mas eles decidiram por fazer uma cesárea de urgência, e então nasceu meu primeiro filho, o Rafael, que foi direto para a UTI.
Como achamos que o problema era a bolsa rota, pensamos que o Rafinha ia ficar internado para ganhar peso, mas no mesmo dia que ele foi para a UTI a médica disse que sentiu uma massa palpável no abdome dele. Fizeram os exames e descobrimos que ele sofria de uma doença chamada de rins policísticos, que é genética, recessiva – ou seja, o bebê tem de herdar o gene recessivo da mãe e do pai -, e ocasiona a presença de vários cistos nos rins da criança.
O Rafa ficou quatro meses na UTI, foi muito difícil. Ele sofreu muito, foi entubado, fez traqueostomia, fez uma cirurgia para a retirada de um rim, tentaram fazer diálise nele, depois ele usou uma máquina para uma hemodiálise mais leve, fez outra cirurgia, e retirou o segundo rim, enfim. Ele não aguentou mais, e com quatro meses e três dias de vida, ele faleceu. Foram meses de muita dor, mas de muito amor, também: tudo o que eu tinha de amor eu dei para ele, porque eu ouvia todos os dias que ele iria morrer.
Depois da perda, eu e meu marido descobrimos que era quase certeza de que nós tínhamos o gene da doença, o que representava 25% de chance de termos outro filho doente em uma gravidez natural – mas isso também significava 75% de chance de não ser, e nos agarramos muito nessa possibilidade.
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O Rafa faleceu em abril de 2015, e em janeiro de 2016 eu engravidei da Maria Julia. A doença do Rafael poderia ter sido descoberta durante a gestação, e não foi, mas isso não faria diferença. Porém, durante a gravidez da Maria Julia ficamos mais de olho, e com 21 semanas descobrimos que ela também tinha a doença. O desespero tomou conta.
Foi muito difícil, eu fiquei bem abalada emocionalmente, minha fé sumiu – eu acreditava tanto que ia dar certo! A minha ideia era de que, se eu conseguisse atingir uma idade gestacional na qual fosse possível o bebê sobreviver fora do útero, se o meu líquido secasse, a gente retiraria a criança para que ela pudesse se desenvolver. Mas o meu líquido secou com 27 semanas de gestação e nenhum médico quis retirar a Maju.
Entrei em trabalho de parto com 37 semanas, minha filha nasceu de uma cesárea e viveu apenas por três horas. Eu não a conheci direito com vida, porque foi tudo muito rápido na sala de parto e eu fiquei em observação. Quando cheguei no quarto ela já havia falecido. Eles a trouxeram para mim, eu consegui me despedir, mas não pude ir ao velório por estar internada por conta da cesárea.
O luto do Rafael foi muito difícil para mim, eu não sabia o que fazer da minha vida, eu vivi quatro meses com ele na UTI. Ao mesmo tempo, eu pensei: eu posso deitar aqui e me afundar ou levantar e seguir em frente. Nenhuma das duas coisas traria o meu filho de volta ou me levaria para junto dele, mas eu decidi por levantar a cabeça e ir. Com uma dor imensa, que vive em mim e persiste até hoje, mas com a qual hoje eu consigo conviver e me assumir como uma pessoa feliz.
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A perda da Maju também foi muito difícil. O meu marido foi muito forte quando o Rafael faleceu, ele me ajudou muito, mas quando aconteceu com a Maju ele desmoronou, e aí fui eu quem me senti na obrigação de ser forte para ajudá-lo como ele me ajudou. O meu segundo luto foi diferente, eu não me permiti chorar, sofrer, tinha alguém ali que não tinha feito isso para me apoiar e me dar força, então eu que tive que ser muito mais forte – não por sentir menos, de forma alguma, mas por escolher ser a força dele.
No fim das contas o meu marido foi o meu maior apoio, nas duas ocasiões. Ele estava ali para me ouvir, para me dar um abraço, por também ter passado pela minha dor. Eu tive apoio dos meus amigos e familiares também e sou muito grata.
Eu também criei um Instagram para compartilhar o que aconteceu. No começo você fica até com uma certa vergonha, se perguntando se tem algo de errado com você. Afinal, ter um filho é tão ‘normal’, né? Por que que comigo não foi assim?
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Ter contato com outras histórias foi essencial para mim, e é por isso que eu conto muito a minha. Para ajudar e dar força para outras pessoas. Também passei a fazer um trabalho voluntário de contação de histórias em orfanatos, que virou um projeto de vida, para canalizar todo o meu amor e ajudar aquelas crianças que não tinham pais e mães.
O luto pós-parto é um grande tabu social, mas acho que para quem sofre com uma perda gestacional isso é ainda mais forte. Tem pessoas que diminuem essa dor, achando que ela vai passar, mas quero poder falar sobre isso. É importante, porque mais gente vai se identificar e ver que acontece, que aquela pessoa não é diferente dos outros por ter passado por aquilo. Perder um bebê com cinco, sete, dez semanas ou um ano de vida, é uma dor que você vai carregar para sempre. A gente tem vergonha, não sabe se a culpa foi nossa, porque gestar é visto como algo natural.
Depois da minha segunda perda, decidi que nunca mais ia tentar engravidar naturalmente, que eu não tinha condição psicológica alguma de passar pelo que eu passei. A solução para o meu caso era a Fertilização in Vitro (FIV) com biópsia embrionária, para descobrir quais os embriões saudáveis que poderiam ser implementados. Eu tinha outras formas de realizar meu sonho da maternidade, como a adoção, mas naquele momento eu queria passar por tudo o que me foi tirado: chegar no hospital, sair de lá com o meu bebê, amamentar.
Fui atrás de bons profissionais, e em 2017, dei início à minha fertilização in vitro. Meu primeiro embrião foi colocado em março de 2018, mas eu não engravidei: dos dez embriões, apenas quatro eram saudáveis, e isso me deixou bem triste e chocada, como se fosse uma terceira perda.
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Em abril de 2018 eu tentei mais uma vez, e aí engravidei da Maria Laura, que hoje tem dois anos e cinco meses, é saudável e não tem a doença dos meus outros filhos, apesar de carregar o gene. Ela é minha bebê arco-íris, que coloriu toda a minha vida e deu sentido a ela.
Depois nós decidimos que tentaríamos mais uma vez. Eu já tinha dois embriões congelados e, em janeiro, tentei novamente engravidar. Agora eu estou grávida da Júlia, que também não tem a doença e está com os rins saudáveis, foi a Maria Laura quem escolheu o nome. Eu brinco que a Júlia é o meu bebê sol, já que depois da tempestade vem o arco-íris, e depois vem o sol, que vai chegar para completar a nossa família.
Para mães que estão passando pelo luto neste momento, eu quero dizer que essa dor vai ser parte da vida delas, já que nenhum filho substitui o outro. Mas, acreditem, é possível ser feliz de novo, sorrir e ter fé outra vez.
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A gente aprende a conviver com a dor. Hoje eu sou, sim, uma pessoa muito feliz e realizada, embora não tenha meus outros dois filhos aqui comigo – quem me dera ter meu quarteto todo! Se o seu sonho é ser mãe, se surgiu essa vontade no seu coração, é importante não desistir dele: eu sou a prova viva de que vale a pena. Permita-se sofrer, chorar, mas lembre-se de que levantar e seguir em frente é a única forma de realizar”.