"Fui segurando a onda para dar conta, mas a verdade é que a gente não consegue. Temos que parar com essa ideia de que a mãe é uma super-heroína"
Lívia Haddad, 38 anos, é líder da comunidade ‘Mães de Jundiaí’ e mãe de Beatriz de 7 anos.
“Os meses na pandemia foram muito difíceis para mim. Tinha me mudado para um apartamento só eu e minha filha Beatriz, de sete anos, e estava me adaptando a uma vida nova, recém-divorciada. E quando me vi sozinha – meus pais são de grupo de risco -, com ela sem aula, tendo que me adaptar ao home office, coisa que eu nunca tive facilidade para fazer, percebi que fui ficando com uma tristeza muito grande. Chorava, não tinha forças para brincar ou para dar atenção para ela. E sentia muito medo também, a gente não sabia se pôr o pé na rua ia ser um problema, estávamos naquele momento de incerteza.
Mas o meu limite de esgotamento aconteceu em fevereiro de 2021, quase um ano depois da quarentena. Eu me vi muito cansada, tive um relacionamento que acabou no meio da pandemia e tinha que tocar o meu projeto. Sou líder de uma comunidade online de quase 20 mil mulheres da minha cidade. Eu estava sentindo todo o peso do mundo nas minhas costas: ter que lidar com educação da minha filha, com a responsabilidade, com o trabalho… Fui começando a me ver muito sozinha e desesperada.
Tinha pensamentos muito ruins, bem fundo do poço mesmo, não enxergava saída. E eu não tinha coragem de contar para as pessoas, porque eu achava que isso era sinal de fraqueza. Até que um dia, uma amiga me falou ‘Lívia, eu acho melhor você procurar ajuda médica’. E foi aí que eu percebi que meus pensamentos estavam tão ruins, que eu só queria que tudo acabasse. E quem me conhece sabe que eu sou muito animada, que eu gosto de rir e de divertir os outros.
Esse processo depressivo foi se acumulando ao longo dos meses, que foram ficando pesados, porque eu não tive contato com outras pessoas – estou sem meus amigos, minhas afilhadas, distante de tudo. Foi me doendo isso, perceber as pessoas cansadas de celular, este lugar frio, sem o contato humano e físico que a gente gosta tanto.
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Eu não tinha vontade de levantar da cama, só que tenho uma filha para cuidar, que depende totalmente de mim. Os avós paternos dela pegaram o coronavírus, infelizmente perdemos a minha ex-sogra, e o pai da Bia – que divide os cuidados comigo – teve que ficar de quarentena e depois em luto pela mãe dele.
Fui segurando a onda para dar conta, mas a verdade é que a gente não consegue. Temos que parar com essa ideia de que a mãe é uma super-heroína. Não temos superpoderes, somos mulheres reais.
Temos que equilibrar os pratinhos da nossa vida de acordo com as prioridades. E naquele momento, quando me vi num quadro depressivo muito profundo, que eu nunca imaginei que fosse entrar, comecei a parar alguns pratinhos, pensando ‘esses não são importante agora’. Minha prioridade foi 100% a Lívia. A mulher que precisava de atenção, de psiquiatra e orientação profissional.
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A minha força para continuar foi exatamente pensar que eu tenho minha filha e que eu quero muito vê-la crescer, se desenvolver… É tão gostoso passar por cada etapa. Quando eu vejo Beatriz lendo, é a coisa mais emocionante!
Assim, segui em frente. Quando fui medicada e tive forças para contar para as pessoas o que estava acontecendo, principalmente nas minhas redes sociais, tanta gente veio me dar a mão, me perguntou se precisava de alguma coisa, ofereceu para ir ao mercado para mim, e isso só me fez ter mais forças ainda de querer continuar. Eu ainda tenho meus altos e baixos, mas tenho muito mais vontade de fazer minhas coisas, de trabalhar, de cuidar da Bia.
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Neste momento, as redes de apoio são minhas principais fontes de renovação, de vida, de possibilidades. Mesmo longe, eu contei muito meus pais e por isso zelei tanto pela segurança e saúde deles. Eu peço ajuda para minha mãe, às vezes. São coisas que parecem pequenas, como ela me mandar um almoço num dia mais corrido, mas eu já entendi que posso dizer que eu não dou conta e está tudo bem.
Nos momentos de desespero, me ajuda saber que não estou sozinha. Mãe não é obrigada a dar conta de tudo. Ela tem é a obrigação de se perceber como pessoa, como um indivíduo que merece atenção dos outros e, principalmente, dela própria.”