5 mães revelam situações em que precisaram confiar em como criam os filhos
Criação com apego? Veganismo? Aceitar o próprio corpo? Não é fácil escolher os caminhos da criação, mas há muito poder nesta decisão.
Quantas vezes você já se perguntou se estava fazendo “o certo” para o seu filho, mãe? Ficou martelando se o leite era o suficiente, se ele estava respirando enquanto dormia, se a cólica era porque você tinha comido aquele doce diferente e todas as outras inseguranças que chegam junto com a maternidade.
Bem sabemos que não existe manual de instrução, mas não desistimos de buscá-lo. É um tal de digitar na barra de pesquisa da internet o que está acontecendo, cogitar ligar para o pediatra (ou liga) e colher a opinião do máximo de pessoas ao redor. A conclusão? Muitas vezes não há certo ou errado. Mas um punhado de informações que é preciso filtrar e decidir o que faz sentido ou não dentro do processo de criar um filho.
Pensando nisso, conversamos com cinco mulheres que dividiram como têm sido o processo de acreditar em suas escolhas de criação e como lidaram com as pressões pelo caminho.
Confira:
Raísa Horo, 32 anos, cabeleireira e mãe da Saori de 3 meses e meio
“Decidi que a linha da criação com apego se encaixava com a humanização que estava buscando o tempo todo. Mas parece que eu ofendo algumas pessoas com ela”.
Me muni de informação para meu parto, tentei de tudo para tê-lo humanizado. Como tive uma gestação fácil e sem risco, confiei na minha escolha, no meu corpo, e me empoderei ao máximo que pude. Não escutei ninguém a minha volta e foquei para ter o parto que eu quis. E eu consegui parir! Foi o momento mais intenso e especial da minha vida.
Depois de ler muito a respeito e conversar com outras mães, decidi que a linha da criação com apego se encaixava com essa humanização que eu estava buscando o tempo todo. Faço cama compartilhada, livre demanda e respeito o tempo dela de dormir.
Não quero introduzir nenhum tipo de aprendizado não natural e não instintivo para minha filha. Quero amamenta-lá até pelo menos 2 anos de idade, com uma disciplina positiva, quero prover para ela um cuidado amoroso e fazer com que ela sempre se sinta segura. Mas parece que eu ofendo quando explico dessa criação, sendo ridicularizada pela maioria das pessoas que deveriam ser minha rede de apoio.
Dizem que eu eu sou carente, que quero uma filha dependente de mim, que eu nunca vou ter paz na vida ou que estou criando uma filha mimada. Isso doeu tanto que eu fiquei muito mal no início puerpério (como se tem coragem de falar isso pra uma mulher nesse estado, eu não sei).
Eu tenho que admitir que tentei colocá-la no berço, mas ela acordava muito, então apesar do receio, eu a coloquei na minha cama e nós duas conseguimos dormir melhor a noite. Melhorou nossa vida. Então eu digo: esse ato de apego é ruim para quem?
Criar, educar um filho, formá-lo para o mundo é muito difícil. Ser mãe é desafiador! Então pretendo manter-me firme nessa decisão, apesar de estar sendo um caminho solitário, é o que faz sentido para mim. Quero criar um vínculo emocional com a minha filha, para que ela cresça feliz e segura de si. Essa é a missão mais importante da minha vida e eu vou conseguir!”.
2. Camila Bastos, 39 anos, comunicadora e mãe da Catarina de 1 ano, do Daniel de 9 e do Gabriel de 16 anos.
“Eu acabei me encontrando desta forma: ficando com as crianças em casa”.
O Gabriel nasceu dia 30 de novembro e meu TCC foi apresentado dia 12 de dezembro, quando ele tinha apenas 12 dias de vida. Em todo esse último ano da faculdade eu achei que iria tirar de letra quando ele nascesse, que iria colocar em uma escolinha ou deixar com meus pais e encarar a profissão – porque me formei em Comunicação Social e meu sonho era trabalhar em uma agência de publicidade grande.
Porém, de comum acordo, eu e meu marido conversamos e decidimos que eu ficaria o primeiro ano com o bebê em casa. Quando ele completou o segundo ano, eu voltei a trabalhar na empresa em que eu fazia estágio. Mas não foi muito fácil deixá-lo e não ver certas coisas que estavam passando.
Então foi uma luta interna, e eu decidi abandonar o trabalho e ficar com ele em casa. As pessoas me cobravam e eu também, pensando: ‘estudei tanto, e vou abandonar abandonar tudo para isso?’. Inclusive, ao longo desse tempo eu escutei muito: ‘nossa, você tem o diploma e fica em casa sem fazer nada’. Acho que a pandemia está mostrando muito isso para as pessoas que trabalham fora, que o serviço de casa e com as crianças não para, a gente não tem folga.
Depois de um tempo veio o Daniel e chegamos à conclusão de que com dois filhos seria mais difícil de retomar a carreira e o melhor era ficar com eles em casa. Por fim, ainda tivemos a Catarina, e no final das contas acabei me encontrando desta forma: ficando com as crianças em casa.
Ouço muitos comentários sobre a diferença de idade deles, como ‘que coragem começar isso tudo de novo’ ou ‘é do mesmo pai?’. Também vejo alguns profissionais que não entendem porque eu abandonei algo que eu me dediquei tanto aos estudos, e outras acham que é comodismo. Algumas pessoas pensam que a gente fica o dia inteiro vendo televisão e comendo pipoca, né?
Para a minha vida funcionou. Eu sou realizada em participar da vida deles o dia inteiro. Para outras famílias pode não ser assim, mas foi o jeito que encontramos para nós.”
3. Marina Giuliani, 27 anos, doula e mãe do Benjamin de 9 meses, do Joaquim de 4 anos e do Gabriel de 7 anos
“A masculinidade tóxica é muito prejudicial para os homens e eu não quero isso para meus filhos”.
“Engravidei aos dezenove anos do meu primeiro filho. Eu e meu marido Bruno ainda namorávamos e não tínhamos planos de engravidar tão cedo, mas aconteceu. Foi uma grande reviravolta na minha vida e um momento importante para me questionar sobre o que acontecia ao meu redor.
Quando descobri que seria um menino, comecei a enxergar que era preciso uma criação livre de esteriótipos de gênero para que eu pudesse proteger meu filho do machismo e da masculinidade tóxica.
Sempre me revoltei em ver minha mãe cuidar da casa, mas meu pai não. Ser tratada como inferior por ser menina. Assistir amigos não poderem demonstrar sentimentos ou chorar porque seriam ridicularizados. Foi presenciando situações assim que decidimos que faríamos o que estivesse ao nosso alcance para ensinar aos nossos filhos a não repetirem esses comportamentos.
Desde o nascimento, tivemos situações que nos colocaram de frente com a masculinidade tóxica. A escolha das roupas, das cores, meninos não poderem chorar e serem sempre incentivados à agressividade. Sabemos que acabamos vivendo dentro de uma bolha, onde nos sentimos seguros, mas também sabemos o que é ensinado socialmente.
A nossa maior questão sempre foi o cabelo, que sempre amamos comprido, mas também sempre ouvindo comentários péssimos em relação a isso, como ‘querem que ele vire uma menininha’ ou ‘corta para ficarem com mais cara de menino’.
Nosso filho mais velho já os entende e isso abala a autoestima dele. E mesmo que a gente se esforce para trabalhá-la, ele é um ser humano em formação.
Também passamos por uma situação muito chata com a escola. Ele estava com a franja grande e não tivemos como levá-lo ao cabeleireiro no final de semana. Na segunda-feira, o mandamos para a creche com um elástico no cabelo. Quando ele chegou em casa, a franja estava visivelmente cortada.
Fiquei muito brava. Fui até a escola e claro que eles negaram o corte, mas era impossível não ter sido feito lá, já que só eu e meu marido tivemos contato com ele. Foi horrível. Senti que meu filho foi violado.
É um absurdo as pessoas se sentirem na liberdade de palpitarem em um aspecto físico da criança e ainda falar coisas que deslegitimam tudo o que nós ensinamos para eles. Eu sempre converso com meus meninos e oriento a responderem, sempre com educação, mas assertivos.
E sobre o cabelo comprido ser uma escolha: cortamos todas as vezes que eles pedem. Mas acontece que no dia seguinte sempre rola muito choro o pedindo grande de novo.
É muito difícil remar contra a maré. A masculinidade tóxica é muito prejudicial para os homens, e eu não quero isso para meus filhos. Tenho confiança que estamos fazendo o melhor para eles!”.
4. Bruna Neves, 29 anos, maquiadora, mãe da Laura de 8 anos e Sophia de 9 anos
“Eu vi que eu teria que mudar a questão de me aceitar por causa da minha filha, porque ela também sofreria com isso”.
“Eu não decidi engravidar nas duas gestações. Na primeira, tinha 19 anos, já namorava com o meu atual marido e íamos nos casar no ano seguinte. Nas consultas normais, eu falava que queria ter filho logo após a faculdade e o ginecologista dizia que eu era gorda, tinha ovários policísticos, mioma e que, se eu não emagrecesse, nunca conseguiria engravidar. Então, parei o anticoncepcional.
Por ter o ovário policístico e mioma, minha menstruação era muito irregular. Ela já não vinha há oito meses quando comecei a passar mal. Descobri que estava grávida e com três meses. Acabei ouvindo comentários maldosos das pessoas como ‘se não tivesse passado mal, só ia descobrir no parto. Gorda assim, não iria nem ver a barriga crescer’.
Na gravidez da Sophia não tive muitos problemas com médico. Ele demonstrou preocupação na primeira consulta, mas não falava sobre isso, não era ríspido. Mas quando ia fazer ultrassom, por exemplo, diziam que não dava para ver o bebê direito por causa da gordura.
Quando a Sophia tinha um ano, descobri que estava grávida da Laura. Também não foi planejado. Eu tomava anticoncepcional de uso contínuo, porque ainda amamentava, mas acabei engravidando. Cheguei a ir em seis médicos e só fui conseguir assistência do sexto para o sétimo mês, porque eles diziam que não iriam acompanhar a gravidez se eu não fizesse cesárea.
Um dos momentos em que a gordofobia médica mais me doeu foi no nascimento da Sophia. Ela tem uma má-formação chamada microtia (que afeta a orelha) e não foi vista nos exames. Quando ela nasceu, eu estava na ansiedade de segurá-la pela primeira vez, mas não a trouxeram. A enfermeira falou que ela tinha nascido com uma má-formação e que iria para avaliação. É aquele momento que abre um buraco embaixo de você.
Nessa hora, o médico que fez o meu parto comentou que não tinha nada disso no meu pré-natal e eu respondi que não tinha aparecido em nenhum exame. Em seguida, o anestesista que estava junto falou: ‘A gordura deve ter atrapalhado nos exames’.
Parecia que era culpa minha, de que ela tinha nascido com má-formação era por causa do meu peso. Sophia tinha apenas um mês quando eu comecei a fazer várias dietas restritivas, o que atrapalhou a minha produção de leite e afetou a amamentação dela. Eu vi que eu teria que mudar a questão de me aceitar por causa dela, porque ela também sofreria com isso.
Quando ela já estava com quase dois aninhos, uma pessoa da família falou: ‘que maravilha! Seu cabelo já está crescendo assim dá para esconder a orelhinha’. Fiquei brava, falei que não tinha que esconder nada e amarrei o cabelo dela. Ela não tem que aprender a se esconder. Talvez tenha sido com a Sophia que eu vi que tinha que mudar a postura comigo mesma. Como que eu ia ensinar que ela era perfeita do jeito dela, se eu me machucava tanto querendo ser diferente?”.
5. Luciana Teixeira Morais, 33 anos, doula e jornalista, mãe do Bento de 1 ano
“Sou vegana há 7 anos e meu marido há 15, então nunca pensamos em não criá-lo assim”.
Fui a primeira vegana da minha família, mas hoje não sou a única. Minha prima, que é madrinha e médica nutróloga do meu filho, também é vegan e acompanha minha saúde e a do Bento.
Minha mãe foi a que ficou mais preocupada com a alimentação do meu filho, então demos pra ela um “Guia da Introdução Alimentar para crianças vegetarianas”, que foi produzido por médicos, nutricionistas e mães e também fizemos questão de esclarecer as dúvidas dela.
A parte que mais ficamos temerosos de sofrer preconceito era diante dos médicos. Nosso atendimento era com a pediatra do posto de saúde e ela sempre foi muito receptiva. Porém, tivemos que consultar o Bento com uma pediatra do convênio e ela tocou um terror desnecessário e desinformado com a gente. Temos embasamento, amparo de uma nutricionista, exames e plano de introdução alimentar para ele. Sabemos que a dieta vegetariana não só é possível, como é viável e não deve sofrer uma discriminação.
A situação em que precisei me impor mais foi quando colocamos o Bento na creche. A diretora desta escola disse que não ia deixar de dar carne ou leite por uma questão ideológica dos pais. Aqui é muito importante lembrar que, por mais que seja sim uma questão ideológica, comer carne também é cultural e normalizado, porque se faz isso há muito anos. Existem comprovações científicas de malefícios também. Tentamos argumentar na creche, mas foi bem tenso e me deixou muito preocupada. Ele acabou frequentando apenas por um breve período.
Acredito que todas as mães estão fazendo o melhor que elas podem dentro do que elas acreditam e com a informação que elas têm no momento. Ainda que a gente não concorde com as atitudes de outra mãe, a gente desconhece a realidade e o dia a dia daquela mulher, o que ela passou, o que levou ela a ser aquela pessoa.
Estou tranquila, porque sei que estou fazendo o melhor que eu posso com a informação que tenho e diante das coisas que acredito. Sou muito segura disso, sei que estou buscando fazer do mundo um lugar melhor pro meu filho e também deixar uma pessoa melhor para o mundo. É o que me mantém muito firme, sabe?
E uma coisa que me ajuda a aliviar a culpa materna – porque não quer dizer que ela não exista apesar de estar bem segura -, é saber que sim, todos nós vamos deixar traumas, dores e mágoas nos nossos filhos, porque eles são pessoas diferentes da gente e nem sempre vão interpretar nossas ações de amor como algo bom. Assim como a gente fez isso com nossos pais. E está tudo bem! Ninguém precisa concordar com tudo o tempo todo, né?”