Como e por que devemos incentivar a criança a crescer
Não há problemas em comentar sobre como o pequeno era quando bebê, mas vale ter cuidado com o que se fala para não gerar angústias sobre o desenvolvimento
“Você era tão fofinho”, “Poxa, que saudades de quando você era bebê”, “Ai, olha que gracinha quando você ainda não sabia fazer nada…”. É possível que você não apenas tenha ouvido frases como essas, mas também até dito alguma delas sem pensar. De fato, lembrar de como os filhos eram nos primeiros meses ou anos de vida traz um quentinho gostoso no coração – difícil resistir àquelas bochechas e às gracinhas que eles faziam! E a verdade é que o tempo passa mesmo rápido demais. Quando vemos, eles já são crianças cheias de gostos e opiniões, deixando um pouquinho de saudades de quando ainda eram serezinhos indefesos. Mas cuidado! Transmitir essa nostalgia aos pequenos não é algo tão legal, já que eles podem sentir que, ao crescer, estão deixando de agradar.
“Tudo o que a criança mais quer, de forma inconsciente, é a validação e o amor incondicional dos pais, e isso inclui a aprovação sobre quem ela foi, mas principalmente quem ela é agora e quem será no futuro, e esse tipo de sugestão pode gerar uma dúvida sobre quem ela é hoje. Ela pode pensar: ‘Será que eu fui fofinha? E agora, por que eu não sou mais?’“, comenta Ane Macedo, especialista em Neurociência e desenvolvimento infantil do Projeto Pigmeu.
Além disso, entre os 3 e 5 anos de idade, vale tomar um cuidado extra, já que essa é uma fase em que a regressão infantil talvez apareça. A especialista em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Vanessa Gebrim explica que, nesse período, é possível que as mudanças pelas quais os pequenos passam levem a comportamentos infantilizados pelo receio de não dar conta das novas situações. “É um momento que pode coincidir com o começo da etapa pré-escolar da criança, em que acontecem mais exigências que podem desencadear o medo do fracasso. É importante incentivar a autonomia, e frases como aquelas podem infantilizar muito as crianças”, alerta.
Atenção ao que se fala
Nada disso significa que a família não pode, por exemplo, olhar fotos e vídeos antigos ou lembrar de fatos passados. Construir memórias e acessá-las carinhosamente faz parte da vida – a atenção, nessas situações, é à forma com que se comenta. É possível dizer que, enquanto bebê, seu filho era fofo, mas não precisa, por exemplo, dar a entender que acha uma pena que o tempo passe tão rápido. “Olha como você era lindo mesmo banguelinha” ou “Você tinha as bochechas mais gostosas do mundo, mas ainda não sabia nenhuma palavra…” são formas mais gentis de falar, pontuando que cada fase tem suas características.
Em situações mais específicas e delicadas, o comportamento regressivo pode se mostrar mais intenso, o que a psicóloga aponta ter relação com a sensação de insegurança. “A criança apresenta regressão quando se sente insegura ou abandonada – as causas podem ser diversas, como o nascimento de um irmão, o medo de fracassar, a separação dos pais, algum trauma, como a perda de um familiar ou até uma violência”, explica.
Nesses casos, além de ser importante entender quais motivos levaram o pequeno a regredir, é essencial ter paciência. “Às vezes, ele apenas precisa de mais tempo para evoluir e amadurecer, então é importante evitar frases negativas que apenas pioram a situação”, diz Vanessa. Falas como “Você não é mais bebê para fazer isso” ou “Você já está grandinho para chorar“, portanto, são absolutamente dispensáveis.
Cada fase com suas características
Levando esses fatores em consideração, é possível estimular os pequenos a crescer sem forçá-los a nada. Mostrar como as novas fases trazem oportunidades bacanas – como poder acompanhar os pais a um show, fazer uma compra “sozinho”, ajudar a olhar o irmãozinho, entre outras coisas que trazem não apenas o desenvolvimento da autonomia, mas a sensação de que a criança já consegue tomar ações por si mesma, são muito valiosas.
“Cada dia mais, as crianças passam por um maior desenvolvimento da linguagem e acesso a experiências diversas. Elas estão construindo questionamentos e observações mais elaboradas, e cabe a nós neste cenário nos observarmos nessa construção do diálogo e da interação com elas”, lembra Ane Macedo. A especialista em Neurociência e desenvolvimento infantil ressalta, por fim, o quanto é importante que esse processo seja leve e lúdico, com a participação intensa dos pais, pois é ela que “gera na criança um senso de propósito e sentido no aprender”.