Não celebrei o dia das mães. Não presenteei a minha mãe (e amiga). Não fiz uma homenagem. Nadica. Sequer um cartão, frase ou mensagem de WhatsApp. Enquanto pessoa vivencio um incômodo. Não consigo vivenciar algo que não seja visceral, em que eu acredite com corpo e alma. Se o incômodo estiver lá, me calo. Confesso que sou uma fluida e até paradoxal, mudo de ideia, repenso. Em outros anos escrevi grandes textos de homenagem, aluguei carro de som, soltei balões de gás, fiz cartas, cartazes, faixas. Mas dessa vez me coube o silêncio.
Eu falo sobre maternidade todos os dias, em todos os lugares que ocupo, seja como produtora de conteúdo nas redes, seja como a pesquisadora que está focada em infância. A maternidade me atravessa não apenas enquanto objeto de pesquisa, assunto da pauta, mas vivência. Não por ter parido uma criança. Este é um fenômeno biológico que permite a uma fêmea mamífera colocar outro ser-bicho no mundo. Ser mãe é, na verdade, um papel social que, na nossa sociedade, empurra mulheres-mamíferas-paridas a abismos pessoais e públicos.
Não precisamos ir longe. Basta olhar para qualquer grupo no qual estivermos: família, faculdade, trabalho. Quem desiste da carreira para conciliar a vida com os filhos? Quem é o principal responsável pelo cuidado das crianças – que envolve roupas que sirvam; dois pés iguais de meias; um cartão de vacina completo e frutas na geladeira? Quem também dá banho, coloca pra dormir, pesquisa sobre disciplina positiva e se anula no processo de cuidar?
O Brasil é o país com maior prevalência de depressão no mundo e a diferença entre mulheres e homens deprimidos é muito maior aqui que em países da Europa que têm uma sociedade menos patriarcal. Em termos gerais, a depressão afeta 2 mulheres para cada homem no Brasil, enquanto em países com melhor divisão do cuidado essas taxas se aproximem da paridade. Vale traduzir esses números: a falta de divisão do cuidado mata mães brasileiras. A falta de divisão do cuidado adoece mães brasileiras. A falta de divisão do cuidado tira mães do mercado de trabalho. A falta de divisão do cuidado usurpa o trabalho materno sem remunerá-las por isso.
E daí, no dia das mães, me deparo com propagandas e textos que reforçam o lugar em que se constrói esse imaginário social de que nascemos para ser mães. De que “pai é assim mesmo” ou “mãe só tem uma”. E reforçam porque precisamos acreditar nisso para permanecermos sujeitas ao conjunto de crenças que reafirmamos: o cuidado é materno, a renúncia é materna, o filho é da mãe. Só assim as posições de poder social permanecem intactas, só assim homens podem continuar terceirizando o cuidado (sem remuneração) enquanto vivem sua vida no mercado de trabalho, nos happy hours da vida e, claro, na cervejinha pós-futebol.
Diferentemente de outras datas como o dia da mulher ou o dia da visibilidade LGBTQIA+, o dia das mães é uma data meramente comercial. Ele não nasceu como um marco, uma luta política, um grito por visibilidade. Não. As mães compõem a única minoria social que não se coloca na pauta enquanto tal. Minoria não por somarem um número pequeno, mas por estarem numa posição de extrema vulnerabilidade. Além de estruturalmente serem esmagadas por todas as demandas que envolvem dar conta de si mesmas e da criação de outra pessoa, elas não podem pular do barco e abandonar sua prole. Precisam continuar porque delas depende outro ser humano.
Eu gosto de ganhar chocolates e também de ser reconhecida enquanto alguém que entrega afeto e educação aos meus filhos. Mas não gosto da forma que a imagem materna é explorada para reafirmar opressões no dia que deveríamos propor conversas sobre maternidade solo ou quem sabe organizar uma mobilização coletiva pelo reconhecimento do trabalho materno enquanto trabalho remunerado. Porque hoje, sendo “só” mãe, você não se aposenta. Mesmo que tenha dedicado sua vida inteira para educar seus 8 filhos. Não tem conversa política. Você que desse um jeito de faxinar a casa da vizinha, vender produtos online, empreender.
Trabalhar como se não tivesse filho. Ser mãe como se não trabalhasse.