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O comportamento do seu filho pode regredir na quarenta. Saiba como lidar!

Birra, xixi na cama, dificuldade para dormir... As ações do pequeno podem manifestar como ele está se sentindo diante da nova dinâmica familiar. Entenda!

Por Flávia Antunes
Atualizado em 15 Maio 2020, 15h46 - Publicado em 30 abr 2020, 16h11

Helena tem três anos e já não usava fraldas há algum tempo. Um pouco depois do início da quarentena, decretada por conta do novo coronavírus, sua mãe, Laura Santana, notou que os escapes estavam se intensificando. Calcinha suja, cama molhada até que, em certo momento, a pequena passou a manifestar a preferência por fazer xixi e até cocô na roupa. Ela, que também não usava mais chupeta, começou a pedir e agora utiliza 24 horas por dia. Mais que isso: “ela gosta de ser chamada de ‘bebê’, gosta de brincadeiras que já havia abandonado e às vezes ela fala mais ‘enrolado’ do que consegue”, conta Laura.

Situação parecida aconteceu com Jessica Pagano, mãe de Antônio, de um ano e três meses. “Ele tem bronquite e é considerado grupo de risco”, revela. Por este motivo, ela parou de descer com o menino para brincar na área comum do prédio e o pequeno, que acabara de aprender a correr, fica com pouco espaço no apartamento para gastar sua energia. Com tudo isso, o que mais impactou foi a rotina de sono. “Ele não dorme antes da uma hora da manhã, geralmente duas. Já me peguei várias vezes enrolando ele inteiro pra descer no elevador e dar uma volta de carro. Outro dia fizemos um trajeto de 40 minutos para ele pegar no sono. E é algo que jamais faria antes da quarentena”, afirma Jessica.

Se juntássemos todos os relatos de mães e pais que estão sentindo diferenças nos filhos neste período, não caberiam aqui. De fato, a situação de pandemia afetou o funcionamento da família como um todo – e por isso decidimos investigar por que os pequenos estão “regredindo”, termo utilizado pelos especialistas para definir este fenômeno.

O que é regressão?

Chamamos de regressão os comportamentos de uma fase anterior que voltam a ser feitos pelas crianças”, explica Renata Ishida, psicóloga e coordenadora pedagógica de conteúdo do LIV – Laboratório Inteligência de Vida. De acordo com ela, a regressão não é um fator completamente novo e pode acontecer em várias situações da vida da criança, como quando ganha um irmão, com o divórcio dos pais, com a escolarização ou outros eventos que gerem insegurança ou sentimento de abandono. Por isso, “a causa do problema não é o fator da quarentena em si, mas como ela se sente nessa situação”, comenta Renata.

A regressão, portanto, tem tudo a ver com o entorno do pequeno. “Ela acontece diante de situações de sofrimento psíquico, ou em que as experiências vividas despertam uma angústia que a mente da criança não possui recursos suficientes para organizar ou dar conta de interpretar o que está acontecendo”, diz a Dra. Beth Coimbra, psiquiatra e diretora do setor de Psicanálise de Criança e Adolescente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).

Assim, as manifestações corporais funcionam como um mecanismo de defesa, acionado inconscientemente, em que o pequeno busca retornar a etapas do desenvolvimento “mais seguras” ou onde tenha “maior garantia” de que terá suas necessidades atendidas, segundo a psicanalista.

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No mesmo sentido, Renata explica que a criança é como se fosse um para-raio, que absorve o clima do ambiente. “Ela é muito sensível a como as outras pessoas se sentem”, aponta. Porém, sem um nível de abstração necessário para comunicar as emoções, elas podem acabar demostrando através dos comportamentos.

“Os pequenos ainda não têm um repertório verbal para falar sobre seus sentimentos. Então, quando não sabemos identificar e falar sobre o que sentimos – um vocabulário que abrange palavras abstratas – vivenciamos isso no corpo e nas atitudes. Ela vai fazer xixi na cama, ficar mais agressiva, chorar mais ou, em alguns casos, até apresentar sintomas, como febre e dor de barriga”, acrescenta.

Como lidar?

Antes de tudo, é importante olhar para si próprio e para as mudanças trazidas por este novo cenário social. “Numa primeira instância os pais devem refletir o que está passando com eles, para ter condição de acolher, aceitar e trazer a criança para a sua etapa do desenvolvimento novamente”, afirma Beth. Para ilustrar a função dos adultos neste processo, ela utiliza a analogia do avião.

“Numa aeronave, por exemplo, em caso de despressurização primeiro o adulto coloca a máscara em si, para depois, oxigenado, cuidar da criança. Nesta situação de quarentena, é possível que nós, adultos, fiquemos com uma ‘falta de um oxigênio’ no que se refere aos nossos hábitos da vida. Afinal, algum nível de perda de estabilidade aconteceu,  e é normal que nos desorganizemos, fiquemos sensíveis e tenhamos medo. Então primeiro temos que olhar para nós”, esclarece.

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Assim feita a reflexão, os familiares podem proceder através do diálogo com os filhos, abrindo um espaço para que tirem suas dúvidas e buscando meios para que retomem à condição original. “Não adianta mostrar autoridade e dizer ‘você não pode chupar o dedo’. Devemos lembrá-la de que, por exemplo, já conseguia não fazer xixi na cama, mas que ‘o papai e a mamãe vão ajudá-la a retomar’. Ou seja, fornecer uma companhia acolhedora“, recomenda a psiquiatra.

Nesta conversa, Renata ressalta a importância de os adultos também exporem como se sentem para os pequenos. “É importante ter esse espaço de acolhimento. Mostrar para a criança que também estamos sentindo isso – que tudo bem chorar e tudo bem ficar mal. É uma oportunidade de permitir que a criança viva esse sentimento e aprenda a nomeá-lo. Ela aprende muito mais quando percebe que a família não evita sentir, mas dá um rumo para aquilo que está sentindo”, diz.

A importância da rotina

Além do acolhimento, os pais podem investir em uma alternativa prática: estabelecer uma rotina em casa. “A criança pequena fica segura com um certo padrão de repetição. Os horários tendem a diminuir a ansiedade e ajudar a organizá-la”, esclarece Renata. “Afinal, de repente, tudo mudou: a família está em casa, trabalhando, possivelmente mais estressada… Então o filho pode pensar: ‘minha mãe está em casa e não está brincando comigo. Normalmente, quando ela está em casa brinca comigo’. Essas situações abrem um leque de fantasias para a criança”, explica a psicóloga.

Por isso, uma das atitudes recomendadas por ela é de comunicar a criança sobre o que está acontecendo e quais são as novas regras. “Como disse, mudanças abruptas geram insegurança e medo. Com uma rotina bem estabelecida, ela sabe quando serão as refeições, quando brincar e dormir e que horas poderá contar com a mãe e com o pai”, completa.

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Mas isso não quer dizer ser permissivo, viu? Segundo Renata, as regras da casa podem – e devem – mudar e ser flexibilizadas, mas isso não significa deixar que o pequeno faça tudo tudo. “Estabelecer novos acordos e regras dá um parâmetro para a família de quando falar ‘sim’ ou ‘não’ para a criança, quando liberar ou não determinados comportamentos”, diz. “A comunicação é o principal canal. A criança precisa de contorno, de uma margem, se não ela se perde”, acrescenta ela.

E se os comportamentos permanecerem depois da quarentena?

As especialistas concordam que a situação deve ser analisada caso a caso, e que o pequeno costuma ser uma “porta-voz” do que se passa dentro de casa. Por isso, é necessário que a dinâmica familiar seja tratada como um todo. “Acho importante as famílias lembrarem que estes comportamentos não são necessariamente uma responsabilidade ou um adoecimento da criança”, afirma Renata.

“Sendo assim, seria interessante um espaço terapêutico de escuta para a família. Para que vejam quais são questões estão gerando angústia, para que visitem seus medos e comportamentos”, indica. “Os adultos devem olhar primeiro para si para entenderem se essa relação não está comprometida e assim estarem abertos para que o cuidado seja para todos – e não só para a criança”, completa.

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(Juliana Pereira/Bebê.com.br)
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