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Aborto espontâneo pode levar a transtorno do estresse pós-traumático

Estudo inglês indica que uma em cada seis mulheres pode ter a saúde mental abalada meses depois de passar por uma perda gestacional.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 15 Maio 2020, 15h58 - Publicado em 31 jan 2020, 09h00
 (Andrii Yalanskyi/Getty Images)
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Uma nova pesquisa mostra que perder um filho no início da gravidez pode favorecer o desenvolvimento de estresse pós-traumático até nove meses depois do ocorrido. Trata-se de um dos primeiros grandes estudos a abordar o impacto psicológico da interrupção precoce da gestação. 

O trabalho avaliou 650 mulheres que tiveram um aborto espontâneo nas primeiras 12 semanas ou uma gravidez ectópica (quando o embrião se desenvolve fora do útero). Elas responderam a avaliações psicológicas por e-mail em três momentos: logo depois da perda, um, três e nove meses depois. 

Nos primeiros 30 dias, 29% das mulheres apresentavam sintomas de estresse pós-traumático e 24% relataram ansiedade moderada ou elevada. Nove meses depois, as taxas eram de 18% e 17%, respectivamente. Os achados, de cientistas do Imperial College London, foram publicados recentemente no periódico American Journal of Obstetrics & Gynecology. 

Os pesquisadores ainda compararam os dados das participantes aos testes de 171 mulheres com gestações saudáveis. Como era de se esperar, sintomas psicológicos eram bem menores neste segundo grupo. 

Problema pode passar despercebido 

Para os autores, os números deixam claro que o assunto merece atenção. “A interrupção da gravidez afeta uma em cada duas mulheres, e para muitas é o evento mais traumático de suas vidas. A pesquisa sugere que o efeito da perda pode ser longo”, comentou à imprensa o ginecologista Tom Bourne, autor principal do estudo, do Imperial College London. 

Embora o conhecimento sobre saúde mental materna tenha aumentado nos últimos anos, os efeitos da perda precoce podem ser discretos, daí a necessidade de oferecer acompanhamento psicológico a mulheres que passaram por isso. 

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“Muitas não contam a família e amigos sobre a gravidez antes das 12 semanas, então se algo dá errado elas podem se sentir incapazes de conversar sobre suas emoções e acabar sofrendo em silêncio”, declarou a ginecologista Jessica Farren, outra autora. 

O que é o estresse pós-traumático 

Trata-se de um transtorno notado pela primeira vez em soldados, que retornavam da guerra mas não paravam de sofrer com as lembranças ruins dela, além de outros sintomas como insônia, mudanças de humor e crises de pânico

No estudo, as mulheres que pareciam ter o transtorno segundo as avaliações relataram reviver constantemente as lembranças da perda, sofrer com pensamentos indesejados e intrusivos sobre o assunto e ainda ter pesadelos ou flashbacks relacionados. Por outro lado, algumas disseram evitar qualquer coisa que pudesse lembrar o acontecimento. 

Relato de uma perda 

Para dar uma dimensão mais humana ao achado científico, os pesquisadores incluíram no comunicado à imprensa o relato da atriz Kate Rawson, que passou por dois abortos, um na 8ª e um na 11ª semana. Ela escreveu uma peça para rádio sobre o tema: 

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“Depois do meu primeiro aborto, fiquei entorpecida. Eu não sabia como reagir ou com quem falar. Eu não sabia se vivia um luto, ou se era uma reação adequada por ter perdido algo tão ‘pequeno’. Então tentei acreditar em palavras tranquilizadoras (não é sua culpa, você pode tentar de novo, você tem tempo pra isso…). 

Na segunda vez que aconteceu, eu sabia que algo estava errado imediatamente, com só uma mancha rosada leve na calcinha e uma leve cólica. Senti pavor e a ansiedade pelo que estava por vir, culpa pelo que poderia ter feito para causar isso, tristeza por mim e pelo meu marido, família e amigos, que teriam que fazer todas aquelas caras tristes, ligações e mensagens de novo. 

O aborto foi um choque, para o qual eu realmente não estava preparada. Tentei seguir em frente, como recomendado, mas ‘tentar de novo’ era cheio de ansiedade, que só piorou quando engravidei pela terceira vez. Tudo deu certo dessa vez, mas o primeiro trimestre foi extremamente estressante para nós.

Eu lutei para manter as coisas em perspectiva e me dividia entre querer esse bebê mais do que tudo e desejar apenas sangrar logo e passar logo por essa experiência horrível de novo para retomar minha vida. Só depois que meu filho nasceu que percebi a enormidade do que havia vivido, e a necessidade de processar isso.” 

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