Apesar de muitos mitos sobre a gestação já terem sido desvendados, falar sobre sexualidade – principalmente nesta fase – continua sendo tabu. Isso porque ainda circula o pensamento retrógrado de que gravidez e prazer feminino não combinam, ainda mais quando ele é dado pela própria mulher, através da masturbação.
Discursos como esse, porém, vão contra a própria fisiologia da mãe durante os nove meses, como explica Lilian Fiorelli, uroginecologista especialista em sexualidade feminina e colaboradora da Plataforma Sexo Sem Dúvida. “Durante a gestação, há uma alteração hormonal muito grande e o aumento do estrogênio, um hormônio sexual feminino que tem potencial de melhorar a libido e a excitação, o que faz com que a mulher sinta mais prazer e vontade de ter uma relação sexual“, diz.
Outro motivo para esta mudança de disposição está no aumento da circulação sanguínea na região pélvica, já que o corpo precisa de mais sangue nessa área para ser direcionado à placenta e porque há uma compressão de vasos ao redor, deixando o retorno venoso mais lentificado.
“Isso faz com que haja um leve edema da vulva e um aumento de lubrificação, fazendo com que aumente a sensibilidade na região genital, principalmente mais para o final da gestação”, comenta Lilian.
Existe uma fase em que o desejo aumenta?
A resposta é muito individual, pois depende da disposição não só física, como psicológica, da mulher durante a gravidez. Mas se formos considerar as mudanças do corpo, as especialistas tendem a concordar que o segundo trimestre é o mais favorável tanto para a masturbação quanto para as relações sexuais como um todo.
“A masturbação não é contraindicada em nenhum momento da gestação”, pontua Gabriela Bezerra, obstetra especializada em medicina fetal. Mas, no começo da gravidez, a mulher – do ponto de vista sexual – não costuma estar muito disposta e pode estar mais preocupada. Assim, o segundo trimestre costuma ser o melhor para a prática, porque a barriga não está tão grande e a mulher não está com tantos desconfortos, como enjoo ou náusea“, comenta.
Já no terceiro trimestre, pode até ser que os hormônios e circulação sanguínea na região genital favoreçam a masturbação, mas o cansaço ou falta de ar muitas vezes pesam negativamente na balança. “Na reta final, uma estratégia é usar alguns artefatos para ajudar, como vibradores“, indica Gabriela.
Benefícios da masturbação
Pois bem, é hora de falar sobre o porquê da masturbação não só estar liberada durante a gestação, como ser incentivada pelas médicas. “A prática é uma das formas de continuar tendo contato com seu corpo, para que consiga se enxergar como mulher ao mesmo tempo em que começa a assimilar o novo papel de mãe”, afirma Lilian.
Além de promover a intimidade consigo mesma e representar uma forma de autocuidado, a masturbação leva ao aumento de alguns hormônios, como a dopamina e a ocitocina, responsáveis pela sensação de bem-estar e, este primeiro, também associado ao controle da dor. Ao diminuir um outro hormônio chamado cortisol, há ainda uma melhora no sistema imunológico e benefícios para a saúde cardíaca, já que o orgasmo promove a aceleração dos batimentos e a vasodilatação.
Isso sem falar dos benefícios para o sono, para a memória e para o desempenho intelectual, como relata a carioca Camila Andrade*, empresária de 30 anos que viveu experiências diferentes em suas duas gestações.
“Nas duas, fiquei com bastante libido. Mas enquanto na primeira transei e praticamente não recorri à masturbação, na segunda, não consegui, porque minha barriga ficou muito grande. Então, depois do quarto ou quinto mês, recorri à masturbação – sozinha ou às vezes com meu marido”, lembra ela.
Para a mãe, a melhora na saúde mental foi o principal ganho. “Notava que, quando passava longos dias sem me masturbar, ficava muito estressada e ansiosa. Depois, quando fazia com frequência, me sentia mais tranquila. Também me senti mais calma, concentrada e todo mundo dizia que eu estava uma grávida radiante”, comenta. Camila também conta que a masturbação foi uma forma de manter a relação viva com o marido, que às vezes a ajudava e, assim, tinham mais momentos íntimos e de conexão.
E não para por aí! Além dos benefícios para a mulher, as especialistas revelam que os hormônios liberados durante a excitação também são compartilhados para o bebê. “Então a mulher que se sente bem e que está tranquila também está passando este bem-estar para o filho”, comenta Lilian.
A masturbação é perigosa para o bebê?
Dentre os tantos tabus que envolvem a masturbação durante a gravidez, um deles tem a ver com um receio da mulher de que se tocar ou obter o próprio prazer por meio de penetração poderia de alguma forma machucar o bebê. E foi justamente esse pensamento que passou pela cabeça de Luiza Palma, estudante de 21 anos de São José dos Campos, em São Paulo. Mãe de Felipe, de seis meses, ela conta que o período em que mais teve relação sexual e se masturbou foi no segundo trimestre, mas que a prática não veio sem algumas inseguranças.
“Eu tinha muito medo de fazer mal para o meu bebê de alguma forma, mesmo que psicologicamente. Não sei explicar muito bem. Além de me sentir ‘errada’ por ter uma vida sexual enquanto grávida”, explica.
Felizmente, as especialistas concordam que este receio não tem embasamento médico, já que o local onde é realizada a masturbação não coincide com aquele em que fica o bebê. “Mesmo que haja penetração, o máximo que chegará é próximo do colo do útero, jamais entrará no útero”, esclarece a uroginecologista. Mas como tudo que envolve a gestação, o ideal é que o assunto seja tratado durante o acompanhamento pré-natal, para que seja avaliada se a gravidez está saudável e se as práticas diárias – desde exercícios físicos até o prazer íntimo – não apresentam riscos.
“Se for uma gestação de risco, com colo uterino curto ou incompetência cervical, por exemplo, alguns médicos preferem contraindicar, já que a excitação libera um hormônio chamado ocitocina, que é um dos responsáveis pela contração uterina”, diz Lilian. Mas a especialista em sexualidade feminina lembra que a masturbação por si só não irá desencadear um parto prematuro e a autorização ou não da prática é bastante discutível, ainda mais se o quadro de saúde desta mulher estiver controlado.
A recomendação para que ficasse de “repouso” por um tempo aconteceu inclusive com Luiza, que foi diagnosticada com um descolamento de placenta (pouco grave, segundo ela) no terceiro mês da gestação. “Foi indicado não ter relação sexual e masturbação por cerca de duas semanas, por conta do útero estar muito sensível. Mas na outra consulta, já vimos que estava tudo bem e pude voltar a ter atividade sexual”, relata.
Como se masturbar de forma segura
Como a prática é feita pela própria gestante, é bastante raro que acabe se machucando. De acordo com Lilian, a dica básica – e que deveria valer para todos os outros momentos da vida da mulher – é se respeitar. “A partir do momento em que você conhece seu corpo e como ele funciona, sabe onde são os pontos de prazer e, se sentir dor e desconforto, irá parar”, afirma.
Em relação aos sangramentos, eles são incomuns durante a masturbação, mas podem acontecer principalmente se houver a penetração de algum objeto, já que o colo do útero da grávida é um pouco mais sensível. “Apesar do sangramento ser pouco frequente, só fico tranquila se a mulher estiver fazendo o pré-natal adequado. Se tiver alguma dúvida, indico perguntar para o médico, pois às vezes o sintoma pode ser algum sinal de alerta”, pontua a uroginecologista.
Vamos naturalizar a masturbação?
“A maior parte das mulheres não fala que se masturba, mesmo quando é perguntada”, revela Gabriela. E a experiência clínica da obstetra é só um pequeno recorte do que acontece na sociedade como um todo: mesmo que especialistas concordem que o prazer feminino é uma forma de promover saúde e autocuidado, o tema ainda é tratado de forma velada e quase que “proibida”, ainda mais quando ocorre durante a gestação.
“Sinto que sexualidade na gravidez é um tabu. Então às vezes, quando estava grávida, falava alguma coisa e a reação das pessoas era: ‘Está pensando em sexo com esse barrigão?'”, lembra Camila.
Segundo a obstetra Gabriela, essa dificuldade de ver a masturbação como algo natural é ainda mais presente em relacionamentos heteronormativos, em que muitos homens não acham “normal” a mulher se masturbar sem eles e sem que isso leve a uma relação sexual. Tendo em vista este cenário, fica o convite para que o prazer feminino entre cada vez mais em pauta e junto com informações confiáveis, de forma com que a mulher se sinta mais à vontade e incentivada a praticá-lo.
“É saudável que a mulher crie a própria intimidade, isso ajuda a conhecer o seu corpo e ajuda até no trabalho de parto. Durante muito tempo, fomos tolhidas disso, e a gravidez é o momento em que – mais do que nunca – a gestante estará em contato com o próprio corpo, que está se preparando para receber uma vida. Sexualidade é saúde“, conclui Gabriela.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada.