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Novembro roxo: como é ser enfermeira (e mãe) na UTI neonatal

Viver momentos desafiadores e ser fonte de segurança para famílias de bebês prematuros é rotina para Elyana Vicente, que conta sobre essa profissão heroica

Por Da Redação
23 nov 2023, 14h21

Elyana Vicente sempre soube que cuidaria de bebês. Ela dizia isso desde criança. “Tinha uma paixão”. O que ela não sabia era como se tornaria fundamental na vida de tantas famílias e tantos pequenos guerreiros, que já chegam ao mundo lutando por cada segundo de vida.

Foi durante um estágio, na faculdade de enfermagem, ao visitar uma UTI Neonatal, que ela confirmou: era aquilo que queria fazer para o resto da vida – embora tivesse consciência de que seria um trabalho cheio de adversidades. “Eu queria cuidar de prematuros”, lembra ela, que hoje, aos 36 anos, é supervisora de enfermagem das UTIs Infantis do Hospital e Maternidade Sepaco (SP). 

“O que mais me encantou na UTI Neonatal foi a capacidade de superação de bebês tão pequenos”, explica. “O quanto eles lutam pela vida!”, acrescenta. Mas não foi nem um pouco fácil chegar aonde ela está hoje. A jornada profissional e a realização desse sonho incluíram muito estudo, aprendizado e preparo – não apenas técnico, mas também emocional e psicológico.

Ela ainda precisou enfrentar suas próprias batalhas na vida pessoal, enquanto tentava se tornar mãe e, depois de ter seus bebês, para reaprender a navegar pela sua função, sem “misturar as coisas”, na medida do possível. 

Enfermagem e maternidade

Depois de se formar, Elyana se aprimorou e trabalhou em UTIs pediátricas de hospitais renomados. Porém, quando ela teve seus bebês, Samuel e Mateus – hoje com 7 e 6 anos, respectivamente – a carreira precisou passar por uma transformação. “Eu cuidava muito bem das crianças, tinha muito amor pelas famílias, mas, depois que eu me tornei mãe, eu cuidava de cada bebê como se fosse meu e sofria muito se algo acontecesse. Foi um divisor de águas na minha vida”, explica. 

Embora os filhos de Elyana não tenham precisado ficar na UTI Neonatal, o processo de sofrimento dela como mãe foi outro e começou bem antes, já nas tentativas para engravidar. A enfermeira tentou por muito tempo, sem sucesso, até fazer um tratamento de fertilização in vitro. “Engravidei e perdi dois bebês, que não chegaram a se desenvolver”, lembra. Depois, ela acabou engravidando natural e inesperadamente de Samuel, seu primogênito. “Eu tinha muito medo de perder”, conta.

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“Meu marido achava que eu ia enlouquecer, mas isso acontecia porque todos os dias eu entrava na UTI Neonatal, via casos de bebês que nasceram prematuros e aquilo ia mexendo muito comigo, como mãe.”

Elyana Vicente, enfermeira neonatal

Apesar dos medos, a gestação foi até o fim, sem intercorrências e ele não nasceu prematuro. Chegou ao mundo com 40 semanas, a termo. Devido às dificuldades anteriores, Elyana achou que demoraria a engravidar de novo, mas quando seu filho tinha 6 meses, ela se viu grávida novamente, de maneira natural. Então, veio Mateus.

“Com 23 semanas, surgiu a suspeita de que ele tinha uma cardiopatia”, relata. Elyana ficou muito angustiada, afinal, ela sabia como era a realidade dos bebês e das famílias com quem convivia todos os dias. “Fiquei com muito medo de ele precisar ir para a UTI”, afirma. A suspeita, porém, não se confirmou e ele também não nasceu prematuro. Mas o mundo da enfermeira, agora mãe, já tinha mudado. 

O sonho permanecia o trabalho com prematuros, porém, ela precisou adaptá-lo. Elyana, então, passou para a parte da gestão e se especializou para se tornar supervisora. “A parte emocional era muito pesada para mim. Continuo dentro da UTI Neonatal, acolhendo mães, participando desse cuidado, trazendo qualidade para a assistência, mas em uma posição mais administrativa, porque separar meu lado pessoal do meu lado profissional, depois que me tornei mãe, foi muito difícil”, admite. Se em qualquer carreira é difícil conciliar maternidade e trabalho, nessa, a complexidade vem com várias camadas extras.

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Bebê prematuro recebendo leite na seringa
(metinkiyak/Getty Images)

Colo para os bebês e para os pais

Por um lado, é gratificante poder acompanhar o processo de melhora e alta de um bebê que chegou em dificuldades na UTI, recuperou-se e poderá ir para casa, com sua família. Por outro, é muito duro aprender a lidar com os dias em que os bebês não estão bem e com os inevitáveis desfechos ruins, como a morte e o luto. “A parte técnica, aprendemos e conseguimos realizar com destreza, mesmo nos momentos de intercorrência com as crianças”, afirma. “O mais difícil, muitas vezes, é lidar com as mães e com os pais fragilizados, sobretudo quando sabemos que o quadro não tem reversão”, aponta. 

Uma das histórias marcantes, entre as muitas que aconteceram ao longo da jornada de Elyana nas UTIs Neonatais em que trabalhou, foi o de uma bebê, chamada Helena, que tinha uma doença metabólica. “Ela não conseguia digerir algumas proteínas, o que fazia com que o nível de ureia na corrente sanguínea fosse muito elevada. E a ureia é tóxica para o cérebro”, explica. Aquela bebê certamente teria uma vida comprometida e, como profissional de saúde experiente, Elyana sabia disso.

A enfermeira admitiu a bebê na UTI Neonatal e acabou criando um vínculo forte com aquela família. “Eu tinha consciência de que Helena teria alta, mas ficaria com a parte neurológica comprometida”, lembra. Como a relação era muito boa, a família confiava muito em Elyana e perguntava o que ela achava, se a pequena ficaria boa logo.

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“As mães perguntam: ‘Ele vai viver?’ E você tem que falar: ‘Não sei’”

Elyana Vicente, enfermeira neonatal

“Temos um tempo vivendo dentro da UTI Neonatal e temos conhecimento técnico para saber dos casos, das possíveis consequências e sequelas”, explica. A enfermeira se sentiu muito dividida: “Se eu falasse a verdade, talvez a mãe não estivesse pronta. Além disso, não era da minha competência comunicar uma possível condição de vida restrita. Ao mesmo tempo, era uma relação de tanta fidelidade, tanto amor e tanto carinho por aquela bebê e por aquela família, que eu me sentia escondendo alguma coisa deles”, descreve. “É um exemplo bem vivo do desafio dentro da UTI Neonatal.

Nossa vontade é ter controle sobre tudo e dizer que sim, vai ficar tudo bem. Mas, muitas vezes, não temos a resposta que as famílias buscam. Ou temos, mas ela é diferente da expectativa”, diz ela.

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(Nenov/Getty Images)
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Equilíbrio entre acolher e ser forte

Quem trabalha em um ambiente como o da UTI Neonatal precisa, diariamente, tentar balancear o vínculo que se forma com os pacientes e com as famílias e a força para seguir em frente, sem se render diante de cada história. “Temos de ter empatia, mas também nos fortalecer emocionalmente o tempo todo”, diz a profissional. É muito fácil viver dentro da UTI e acabar incorporando os momentos tristes, segundo ela. “E aí vamos adoecendo”, conclui. 

Para que isso não aconteça, Elyana diz ter três mantras em que sempre pensa. O primeiro é: “Não temos controle sobre tudo”. O segundo é “Faremos o que o ser humano é capaz de fazer; para o restante, existe uma força superior e é preciso confiar nela”. Por último: “As famílias precisam de carinho e conforto, sobretudo de pessoas próximas. Pais e mães lutam pelos bebês e cuidam deles, mas eles também são pais prematuros e devem ser cuidados”.

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